O anúncio do cumprimento do Programa do Governo é um mero exercício de política virtual, sem correspondência na realidade. Auto-elogio e exclusão surgem com excessiva frequência.
Há poucos dias atrás o Secretário de Estado do Turismo difundia num dos jornais on-line do trade a seguinte afirmação: “Programa do Governo para a área do turismo está concluído, ao fim de três anos e meio de legislatura”.
O auto-elogio não se confinou àquele meio de comunicação social, figurando no site do Turismo de Portugal, I.P., que ineditamente comenta e reproduz a notícia, ampliando significativamente a sua difusão.
Confesso que se há matéria em que não esperava que o governante tocasse, ainda que incidentalmente, era a do cumprimento do Programa do Governo e, muito menos, a esta distância temporal.
Com efeito, estendendo-se esta Legislatura para além dos quatro anos, tem ainda um ano de governação pela frente, pelo que três ou quatro meses antes das eleições seria o timing ajustado para o balanço da sua prestação governativa. Para além do carácter precoce do balanço, sobreleva a circunstância de boa parte dos objectivos fundamentais do Programa não terem sido cumpridos, como procurarei demonstrar de seguida.
No texto do Programa do XVII Governo Constitucional na área do turismo existe uma área de objectivação da estratégia prosseguida na qual se passa “Da visão estratégica aos objectivos”.
À cabeça surge uma Política Nacional de Turismo, “que exige uma visão e uma estratégia nacionais capazes de integrar de forma coerente estas diversidades e diferenças, através, nomeadamente, de políticas regionais fortes”.
Surpreendentemente nem uma linha produzida nesta matéria até ao momento. O Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT) seria eventualmente um dos pilares dessa estratégia, mas não se pode confundir o instrumento com a política que prossegue.
Basta atentar no exemplo do Brasil, em que a Lei Geral do Turismo sancionada muito recentemente, em 17 de Setembro de 2008, pelo Presidente da República Lula da Silva, institui a Política Nacional de Turismo, a qual será regida pelo Plano Nacional de Turismo.
Ou seja, realidades que não podem nem devem ser confundidas.
Para além disso, uma Política Nacional de Turismo tem de “articular o turismo com outros sectores, nomeadamente o ordenamento do território…” como salienta o Programa do Governo.
A referida articulação passa inelutavelmente pelo Plano Sectorial do Turismo, o instrumento de gestão territorial sectorial de topo.
O facto de nesta Legislatura ter sido aprovado o PNPOT e de exercer funções governativas um dos mais reputados especialistas nacionais em matéria de ordenamento do território, constituem uma ocasião de ouro para o sector do turismo, que não deve ser desperdiçada. Surpreendentemente, não se conhece um único texto, ainda que exploratório, nesta matéria.
Dos cinco vectores de intervenção estratégica em que se apoia a Política Nacional de Turismo pelo menos três parecem-me claramente não cumpridos.
Desde logo, sem qualquer margem para dúvidas, o quinto vector relativo à definição de uma Lei de Bases do Turismo na qual se consagrem dois aspectos fundamentais: as linhas orientadoras e a estratégia de uma Política Nacional de Turismo.
Mas também o segundo vector na parte relativa à “dinamização do crescimento da procura turística interna”.
E o terceiro vector no que respeita à “implementação de estratégias regionais, autónomas, integradas numa visão nacional” já que o modelo regional recentemente aprovado é menos autónomo, ou seja, as entidades regionais de turismo são consideravelmente mais dependentes do poder central do que as extintas regiões de turismo. Muitos passos atrás.
No que respeita aos objectivos de curto prazo não me parece cumprido o relativo à dinamização do turismo interno (férias, fins-de-semana), sobretudo atendendo a que as regiões do interior e as denominadas emergentes constituíam preocupação prioritária.
O Programa do Governo pressupõe claramente no plano das estruturas institucionais do turismo a manutenção da DGT, INFTUR e Inspecção-Geral de Jogos.
Foram, como é sabido, extintas aquelas estruturas institucionais do turismo por razões que nada tiveram a ver com o sector, apanhando-o de surpresa, não tendo, assim, nenhuma das medidas de enorme impacte sido previamente discutida com os seus destinatários, designadamente ao nível associativo.
Para finalizar detenho-me numa das várias medidas prioritárias preconizadas, a de “projectar internacionalmente, a médio prazo, um dos nossos centros de investigação de turismo, colocando Portugal como palco de grandes eventos científicos internacionais na área do turismo”.
Um projecto nesse âmbito – então designado Centro de Formação Avançada em Turismo – em que desde o início assumiram uma considerável predominância o ISCTE e o Turismo de Portugal, IP, foi apresentado em Junho de 2007 na ESHTE, com a particularidade de para além daquelas duas instituições dominantes só abrangia organizações empresariais.
Está agora marcado para o dia da publicação deste artigo, 26 de Setembro de 2007, no Algarve e no âmbito das comemorações do dia mundial do turismo o lançamento do Hospitality Management Institute, projecto de investigação e formação avançada em Turismo.
Desde a primeira hora que venho apontado a inadmissível e incompreensível exclusão dos grandes centros de investigação em turismo nacionais – o ISCTE apesar de grande escola só agora vai abraçar um sector de enorme potencial como o turismo e a ESHTE não tem, infelizmente, mercê da sua incrível situação de governação, uma correspondência entre o inegável prestígio de que goza e investigação científica que produz.
Impunha-se, assim, a entrada das Universidades do Algarve, Aveiro, Évora e alguns politécnicos com produção relevante na área do turismo como Leiria, Lamego ou Beja. Isto no campo das universidades públicas. Não querendo entrar no campo das privadas, limito-me a enunciar o CISE com produção considerável na área do turismo.
A maior abrangência do HMI comparativamente ao CIFAT deve-se tão somente à circunstância de pouco tempo após a apresentação no Estoril, o Primeiro-Ministro se ter deslocado à nossa maior região turística. O PS local evidencia o carácter sectário da solução e o Chefe do Governo mostra-se sensível determinando de imediato a inclusão da Universidade do Algarve.
Subsiste, porém, entre outras, a exclusão da Universidade de Aveiro, detentora da única revista científica na área do turismo e que produziu um relevante número de mestrados na área do turismo, sem paralelo em termos nacionais e a um bom nível internacional: 55 desde 2002!
Se queremos, como se afirma, que o nosso destino seja reconhecido internacionalmente pelos seus quadros porquê excluir todo este capital humano? É como, num porventura impróprio paralelismo futebolístico, não ter, por embirração do seleccionador, Cristiano Ronaldo ou jogadores de idêntico nível na equipa nacional.
O que justificará, à luz do interesse público, a exclusão da Universidade de Aveiro? E como fica a credibilidade política do Secretário de Estado do Turismo que garantiu pessoalmente à comunidade local a inclusão da sua universidade?
Non te laudabis… O bom político pensa antes de falar, mas o melhor político pensa e não fala.
In Publituris nº 1040, de 26 de Setembro de 2008, pág. 4