joi, 5 decembrie 2013

O tribunal europeu e o IVA das agências de viagens





O tribunal europeu entende que o regime da margem pode ser aplicado nas vendas b2b e não apenas b2c como sustentava a Comissão. Portugal respeita o quadro europeu enquanto Espanha terá de alterar a sua legislação sobre o IVA das agências de viagens.


Os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 26 de Setembro de 2013, foram proferidos na sequência de vários processos instaurados pela Comissão individualmente contra oito Estados-membros, dentre os quais o nosso país: Espanha (processo C-189/11), Polónia (C-193/11), Itália (C-236/11), República Checa (C-269/11), Grécia (C-293/11), França (C-296/11), Finlândia (C-309/11) e Portugal (C-450/11).  A questão central em todos os processos respeita à legalidade do denominado b2b (business to business) suscitada pela Comissão que entendia ser o regime especial de IVA das agências de viagens restrito às relações destas empresas com o consumidor final (b2c).


As agências de viagens encontram-se submetidas a um regime especial de IVA - o denominado regime da margem também conhecido por TOMS (tour operators margin scheme) – que figura actualmente nos artigos 306º a 310º da Directiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (vulgarmente conhecida por Directiva do IVA).



O regime da margem,  à luz do direito comunitário, assenta em dois requisitos fundamentais (art.º 306º):  1º) As agências de viagens / operadores turísticos actuarem em nome próprio perante os clientes, aplicando-se o regime geral do IVA quando surjam nas vestes de intermediárias; 2º) Utilizarem, para a realização da viagem, entregas de bens (mala-brinde, camisolas, pastas do congresso, material desportivo v.g bolas de golfe) e prestações de serviços (avião, autocarro, guia, transferista, hotel etc.) efectuadas por outros sujeitos passivos. Se os bens ou serviços pertencerem à agência de viagens aplica-se o regime geral.



Os vários serviços que a agência de viagens adquire a terceiros, designadamente  à companhia aérea, à transportadora rodoviária, aos profissionais de informação turística e à entidade exploradora do hotel, são consideradas como uma única prestação de serviços realizada pela agência de viagens ao cliente (art.º307º).



Para além do objectivo de simplificação, o sistema da margem visa a neutralidade do imposto no espaço da União Europeia, que o IVA que a agência de viagens pagou aos prestadores de serviços doutros Estados-membros fique nesses países, pelo que correspondentemente se exclui o direito à dedução ou reembolso (art.º  310º). Exemplificando: num pacote dum operador turístico português que tem como destino Espanha, França e Itália, o IVA que os hotéis, restaurantes, museus e espectáculos lhe debitaram fica em cada um desses países e consequentemente não é dedutível nem reembolsável pela empresa portuguesa.



No Estado-membro em que a empresa se encontra sedeada  (art.º 306º),  o IVA não incide sobre a totalidade do serviço, como é comum, mas apenas sobre a margem do operador turístico: a diferença entre o montante total, líquido de IVA, pago pelo cliente e o custo efectivo suportado pela agência de viagens relativo às entregas de bens (brochuras, malas, sacos ou outros brindes oferecidos ao cliente) e às prestações de serviços (alojamento, transporte, alimentação, visitas a monumentos, espectáculos etc.) efectuadas por outros sujeitos passivos exigindo-se que tais operações tenham sido efectuadas em benefício directo do cliente. 
É apenas a base do imposto que é reduzida, sendo aplicável a taxa normal.

O desfecho dos processos era previsível  desde as conclusões da advogada-geral Eleanor Sharpston, apresentadas  em 6 de Junho de 2013 - abrangendo os oito Estados-membros dada a matéria a decidir ser comum a todos - porquanto apesar de não terem natureza vinculativa os juízes acolhem-nas em cerca de 80% dos casos.


As acções foram julgadas improcedentes contra sete Estados membros, incluindo Portugal mas relativamente a Espanha o TJUE acolheu os argumentos avançados pela Comissão.



Em primeiro lugar, a desconformidade com o Direito Comunitário quando a legislação espanhola exclui do regime especial as vendas de viagens organizadas por agências grossistas mas efectuadas por agências retalhistas, exclusão que não se encontra prevista na Directiva.



Em segundo lugar, a lei espanhola permite que agência de viagens, após ter consultado o cliente, mencione na factura «IVA incluído no preço» que se reporta a uma determinada percentagem do preço que é normalmente da responsabilidade do cliente e que este pode deduzir. Para além desta dedução estar expressamente excluída do regime da margem tem a agravante de se restringir aos serviços que são prestados em território espanhol.



Por último, a determinação de forma global da matéria colectável da margem não tem qualquer fundamento na Directiva que se reporta a cada prestação fornecida pelas agências de viagens.

Espanha terá agora de corrigir a sua legislação  erradicando os  aspectos censurados pelo TJUE.

Carlos Torres, Turisver de 5 de Dezembro de 2013, pág.6





luni, 2 decembrie 2013

Brochura de operador austríaco e o surpreendente caso Marriott



"A decisão do tribunal americano no caso Marriott é revolucionária quanto à responsabilidade das grandes marcas hoteleiras em contratos de franchising nos países de risco e, a consolidar-se, estender-se-á certamente a outros aspectos."


1) Tribunal europeu clarifica o conceito de prática comercial enganosa no caso duma brochura contendo hotéis exclusivos

O Acórdão do TJUE, de 19 de Setembro de 2013, no processo 435/11, decorre do litígio entre duas agências de viagens com sede em Innsbruk (Áustria), a CHS Tour Services GmbH
contra
a Team4 Travel GmbH, as quais concorrem na organização e venda de cursos de esqui e férias de inverno na Áustria para grupos de crianças em idade escolar do Reino Unido e respeita à Directiva 2005/29/CE sobre práticas comerciais desleais.
Na sua brochura de 2012, a Team4 Travel qualificou alguns hotéis de «exclusivos», o que transmitia aos consumidores a ideia de que nas datas indicadas não podiam ser disponibilizados por outro operador turístico.
Com efeito,  a sua directora tinha a garantia dos estabelecimentos hoteleiros que não havia sido feita nenhuma reserva por parte de outros operadores turísticos e os contratos incluíam uma cláusula segundo a qual o número de quartos atribuído seria mantido incondicionalmente à sua disposição, protegendo-se essa exclusividade com uma cláusula penal.
Sucede que as respectivas entidades exploradoras, violando os seus deveres contratuais para com a Team4, permitiram que também a CHS reservasse camas nos mesmos estabelecimentos hoteleiros em  igual período.
A CHS alegou que a exclusividade referida na brochura da Team4  constituía uma prática comercial desleal e através duma providência cautelar requereu que suprimisse tal referência. A Team4 sustentou que agiu com a diligência profissional exigida na elaboração suas brochuras, pois até a data em que foram enviadas não tinha tido conhecimento dos contratos celebrados entre a CHS e os hotéis em questão e, por essa razão, não incorria em qualquer prática comercial desleal.

Sucessivamente dois tribunais austríacos não acolherem a posição da CHS, invocando o nº 2 do art.º 5º da Directiva 2005/29/CE em que a prática comercial é desleal se ocorrerem dois requisitos cumulativos:
1º) For contrária às exigências relativas à diligência profissional; e
2º) Distorcer ou for susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afecta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores. 
Quando o processo subiu ao supremo tribunal austríaco colocou-se a questão de os artigos 6.°/1  e 8.° da referida Directiva aludirem apenas ao 2º requisito.
O TJUE considerou que no caso de uma prática comercial preencher todos os critérios enunciados no art.º 6º/1 para ser qualificada de prática enganosa para o consumidor, não é necessário verificar se essa prática é igualmente contrária às exigências da diligência profissional [art.º 5º/2/a)] para que possa validamente ser considerada desleal.



2) O caso Marriott: responsabilidade do franquiador por actos de terrorismo ocorridos no estrangeiro nas imediações do hotel franquiado

A acção foi proposta nos EUA, em Maryland, onde a Marriott internacional (franquiador) tem a sua sede, na sequência de um atentado terrorista no Paquistão, em 20 de Setembro de 2008 (conhecido pelo Pakistan 9/11), no Marriott Hotel Islamabad, quando um camião carregado de explosivos tentou sem  sucesso ultrapassar a barreira de segurança. O motorista suicida procurou então fazer explodir o veículo provocando um pequeno incêndio na cabine. A segurança do hotel pensando tratar-se de um acidente de viação, procurou apagar  o fogo com um extintor, não avisando os hóspedes do perigo, sendo que, decorrido pouco tempo, o veículo acabou por explodir matando 56 pessoas e ferindo 266.

Albert DiFederico foi uma das vítimas, tendo a viúva Mary DiFederico e os três filhos (Nicholas, Erick e Greg)  optado por acionar o franquiador Marriott Internacional em Maryland e não a empresa franquiada no Paquistão.

A Marriott alicerçou  a sua defesa nos  argumentos clássicos do franquiador. O evento ocorreu no estrangeiro (Paquistão), num local da exclusiva responsabilidade do hotel franquiado (uma empresa paquistanesa) e  de harmonia com uma regra estruturante do contrato de franchising o franquiador não pode intervir na gestão do hotel franquiado.

O tribunal de primeira instância de Maryland indeferiu o pedido invocando a teoria do forum non conveniens segundo a qual os tribunais não devem exercer a jurisdição relativamente a matérias em que outros tribunais se encontrem melhor posicionados. Para julgar a acção decorrente de um homicídio, o tribunal do Paquistão era o mais adequado, pois nesse território se encontravam os diferentes meios probatórios, designadamente as testemunhas. Sucede que os autores já não podiam acionar o hotel franquiado no Paquistão por ter entretanto decorrido o respectivo prazo (statute of limitations, o equivalente à prescrição nos sistemas continentais).

No entanto, surpreendentemente o US Fourth Circuit Court of Appeals num acórdão publicado em 1 de Maio de 2103, alterou aquela decisão considerando competente o tribunal de Maryland bem como a legitimidade processual passiva, ou seja, a Marriott Internacional figurar na posição de demandada, afirmando constituir “uma perversão da justiça forçar uma viúva e os seus filhos a colocarem-se numa situação de elevado risco que conduziu à morte de um membro da família”.

O processo ainda não terminou, mas esta decisão do US Fourth Circuit Court of Appeals é revolucionária no plano da responsabilidade do franquiador e a consolidar-se estender-se-á com elevada probabilidade a outros aspectos.

Carlos Torres, Publituris de 29 de Novembro de 2013