marți, 4 septembrie 2012

Vitória de Pirro: ou de como uma vitória assim pode arruinar completamente o sector!




O título deste primeiro comentário às recentes alterações da Lei das Agências de Viagens (LAVT), introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 199/2012, de 24 de Agosto, inspira-se numa vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis. Mais precisamente em 280 a.C. Pirro teria respondido a um indivíduo que lhe demonstrou alegria pelo desfecho da batalha que "uma outra vitória como esta o arruinaria completamente".

É o caso desta vitória associativa, que admitindo, sem pestanejar, o colectivista mecanismo da solidariedade pode, do meu ponto de vista, causar ao sector prejuízos irreparáveis ao invés das falências que anuncia ter salvo.

O processo legislativo foi acidentado, excessivamente moroso, tendo a Secretária de Estado do Turismo, face à progressiva contestação no sector associativo e nas entidades regionais de turismo, encontrado numa importante associação empresarial o confortável apoio de um presidente, que uma vez falhado o objectivo principal – criar um fundo gerido pela associação – foi incapaz de perceber os perigos da solidariedade, chegando ao ponto de a apoiar expressamente, enfatizando até essa inexplicável e arriscada opção. Por sinal, diametralmente oposta à que havia sido assumida publicamente aquando da publicação da lei (ver infra o excerto do Diário Económico).

Na Assembleia da República perante as vozes críticas, PSD incluído, a governante invoca o apoio da associação, contribuindo o dirigente associativo para esse clima de concórdia mediante reiterados e invulgarmente intensos elogios à capacidade de diálogo da governante, às longas horas de trabalho profícuo, à paciência da governante para com os críticos, enfim um enternecedor desfiar de qualidades políticas.

Recordo, no entanto, que a posição da associação empresarial era crítica do mecanismo da solidariedade como flui do seguinte excerto: “Para a associação que representa as agências de viagens e operadores turísticos, a forma de funcionamento deste Fundo de Garantia "abre a porta para que uma empresa possa ludibriar os seus clientes, recebendo verbas, que podem ser avultadas sabendo que todas as outras empresas do sector irão pagar os prejuízos causados". Para a APAVT, “um sistema de garantia voluntário não pode ser imposto, porque vai ao arrepio do mercado, mas pode e deve ser voluntário e saudavelmente adoptado pelas empresas." (Diário Económico, 12 de Maio de 2011).

Feito este enquadramento – e importando sobretudo não perder de vista a questão central da solidariedade – partamos para a análise das alterações introduzidas.

I) ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DECRETO-LEI N.º 199/2012, DE 24 DE AGOSTO

ARTIGO 2.º - Revogado. Operava a distinção entre agências vendedoras e organizadoras/operadores turísticos, distinção que implicava sobretudo uma maior contribuição para o fundo de garantia por parte das segundas.

É evidente que o art.º 2.º tinha falhas, para as quais alertei oportunamente, mas a sua revogação associada a uma grande vitória das agências de viagens é uma conclusão no mínimo excessiva e desfasada da realidade. Basta pensarmos que a Directiva n.º 90/314/CEE faz tal distinção – mantê-la-á certamente após a revisão atendendo ao seu carácter estrutural – e que o preceito, não obstante as falhas que apontei, estava na origem de uma diferente contribuição entre agências vendedoras e organizadoras/operadores turísticos. Na solução acabada de publicar não existe qualquer diferenciação, todas as empresas pagam o mesmo em termos de contribuição única (2.500 €) e quanto maior é a facturação menos pagam proporcionalmente em termos de contribuições adicionais impostas pelo carácter solidário do fundo. Corrige-se um erro mas incorre-se noutro maior…

ARTIGO 3.º/3 – Encontra-se excluída do conceito de actividades próprias das agências de viagens e também do princípio da exclusividade a comercialização directa dos serviços prestados pelos empreendimentos turísticos e empresas transportadoras quando realizada por meios telemáticos ou internet.

Existe, no entanto, uma maior amplitude da oferta directa quando realizada por meios telemáticos/internet – exclui-se tão somente a venda de viagens organizadas – já não se exigindo, como nas excepções ao princípio da exclusividade, que se trate de serviços próprios [art. 4.º/a)] podendo, assim, um hotel incluir no seu site excursões, transporte aéreo e outros serviços.

Eliminaram-se agora as realidades declaradas de interesse para o turismo, entidades que prossigam atribuições públicas da promoção de Portugal ou das suas regiões enquanto destino turístico mesmo quando inscritas no RNAVT como figurava numa fase avançada dos trabalhos legislativos.

Ver aditamento: ART.º 4.º Outras obrigações no âmbito do registo nacional das agências de viagens e turismo.

ARTIGO 7.º/2/c) – Permite-se através de um aditamento na parte final que na inscrição no RNAVT se apresente uma garantia financeira em substituição do seguro de responsabilidade civil.

ARTIGO 9.º – Revogação da alínea a) em que a situação de insolvência ou dissolução da agência de viagens, até agora um dos elementos informativos permanentemente disponíveis no RNAVT, conduz ao cancelamento imediato da inscrição.

Correspondentemente o novo n.º 2 prevê o cancelamento imediato da inscrição no RNAVT em caso de declaração de insolvência (sem o respectivo plano aprovado) ou de dissolução de uma agência de viagens.

Na mesma linha, o novo n.º 3 determina o cancelamento no RNAVT quando a agência de viagens não repuser os valores pagos pelo fundo aos respectivos clientes.

Aparentemente o cancelamento da inscrição está associado ao desaparecimento imediato da informação relativa à agência de viagens falida ou que não repõe as verbas pagas aos consumidores que lesou, branqueando-se com a nova solução legislativa tais condutas, o que se me afigura contraproducente.

ARTIGO 10.º – Inseriu-se no n.º 1 a expressão de forma ocasional e esporádica para o exercício da actividade das agências de viagens doutro Estado-membro da UE.

Poderão surgir dúvidas relativamente à compatibilidade da alteração com o espírito de Bolkestein que não distingue entre exercício regular e esporádico, adensando as dúvidas anteriormente existentes pois dificilmente a garantia financeira consubstanciada no fundo de garantia poderá encontrar equivalente noutro Estado membro.

Revogou-se o n.º 2 porquanto o seu conteúdo foi incorporado no n.º 1 e o n.º 3 actualiza tão somente a remissão para os artigos.

ARTIGO 11.º/1 – Foram eliminados os institutos públicos do regime especial relativo às instituições de economia social, uma regulamentação há muito vigente em que se destaca o requisito cumulativo de as viagens se realizarem de forma ocasional e esporádica, o que se verifica desde que não excedam cinco anuais.

ARTIGO 31.º

N.º 1 – Fixa-se o valor mínimo do fundo em 2 milhões de euros (o n.º 5 do art.º 32.º estabelecia a obrigatoriedade de as empresas retomarem o pagamento da contribuição anual quando o fundo ficasse com menos de 1 milhão e até perfazer 4 milhões). Os atributos da personalidade jurídica e autonomia patrimonial, administrativa e financeira bem como a mais que questionável solidariedade pelo incumprimento dos créditos dos consumidores já decorriam da lei e regulamentação anteriores.

N.º 2 – Limita-se as consequências da solidariedade pela introdução de um limite máximo anual global de 1 milhão de euros. Um mero paliativo para responder aos críticos da solidariedade porquanto uma mega fraude esgota, num ápice, o limite anual global, podendo distribuir-se ao longo dos anos à medida que vão sendo proferidas as decisões dos tribunais. Privam-se, assim, os demais consumidores de obterem ressarcimento.

Porque não consagrar limites individuais de responsabilidade das empresas ao invés de um limite de todo o sector, colocando as consequências da actuação fraudulenta e imprudente das agências falidas nas concorrentes que permanecem no mercado e que até podem ter sofrido as consequências da sua má gestão, designadamente através de uma política agressiva de preços?

Quem vai responder por esta perigosa solução legislativa se uma agência on-line estrangeira perceber as fragilidades do nosso sistema inscrevendo-se no RNAVT, embora operando no seu país de destino, criando pacotes ou outros produtos turísticos apelativos com o intuito de se apropriar das verbas de algumas centenas ou milhares de consumidores em Portugal e nos diferentes Estados-membros?

Recorde-se que o fundo de garantia protege os consumidores bem para além da matéria dos pacotes turísticos, um caso em que o legislador nacional ultrapassa largamente o que lhe é imposto pela Directiva n.º 90/314/CEE. Como salientou o principal partido do Governo numa das audições à Secretária de Estado Turismo na Assembleia da República, não há outro sector onde a protecção do consumidor vá tão longe, exemplificando com a banca ou seguros onde é bem menor.

N.º 6 – As receitas do fundo são nele aplicadas.

ARTIGO 32.º

N.º 1 – Eliminada a distinção entre agências vendedoras e organizadoras/operadores turísticos que estava na origem de uma contribuição diferenciada para o fundo de garantia, a emenda é pior que o soneto por duas razões fundamentais:

1ª) Para todas as agências, independentemente da sua dimensão, um dos requisitos para acederem ao mercado é o de pagarem uma contribuição única de 2.500 €, ou seja, uma grande organização que vai facturar dezenas de milhões de euros paga exactamente a mesma quantia que uma pequena empresa que pode nem sequer atingir um milhão de euros nos primeiros anos. Com a agravante do risco, como é historicamente demonstrado em Portugal e por essa Europa fora, ser sobretudo criado pelas grandes organizações. É neste nível que se têm defraudado os consumidores, despontando ultimamente os prestadores on-line. O que é normal e justo numa economia de mercado é o risco ser suportado pelas empresas que o criam.

2ª) A própria designação de contribuição única é enganadora porquanto a solidariedade que enforma o fundo e a ausência de limites individuais de responsabilidade – uma agência on-line de um prestador de serviços que tenha falido noutro país reabre em Portugal e lesa consumidores nalguns milhões de euros – podem determinar contribuições adicionais como veremos mais à frente. Ou seja, um sistema permeável ou mesmo incentivador de mega fraudes que as empresas que sobreviverem vão pagar, porventura anualmente, através de contribuições adicionais. Numa conjuntura em que se somam falências de operadores e de companhias aéreas criam-se em Portugal condições ímpares para o exercício sem escrúpulos da actividade, uma espécie de paraíso para a fraude apelando aos melhores por esse mundo fora. A mensagem bem pode ser: compre à vontade pois se houver problemas lá estão as empresas portuguesas para ressarcir o consumidor lesado através do fundo de garantia.

N.ºs 2 a 4 – A revogação destes números significa o abandono do critério mais consensual, o do pagamento anual proporcional à facturação [surgia, ainda que de forma mitigada no n.º 2/b)] e a sua substituição por um sistema de escalões em que o pagamento é mais gravoso para uma agência que facture 0,5 milhões de euros (paga 350 €, ou seja, proporcionalmente 700 € por milhão de facturação) enquanto uma que facture 50 milhões de euros paga 1.500 € (30 € por cada milhão facturado) como decorre do Anexo I. Vinte e três vezes mais no primeiro caso!

N.º 5 – Como se referiu, a contribuição única (2.500 €) é uma expressão enganadora pois, sempre que o valor do fundo seja inferior a 1 milhão de euros, são exigidas contribuições adicionais até que volte a atingir o seu valor mínimo que foi agora fixado em 2 milhões de euros. Pagamento proporcional à facturação como seria de elementar justiça? Não! Em função de escalões em que o primeiro (até 1 milhão de euros) paga proporcionalmente muito mais como se constata no exemplo que acabei de referir.

N.º 6 – Fixa-se o prazo de 30 dias para o pagamento da contribuição adicional a contar da notificação da autoridade turística nacional. A IES deve ser facultada por forma a apurar-se o respectivo escalão.

ARTIGO 33.º

N.º 1 – Simples aditamento da expressão “em alternativa” o que já decorria sem dificuldade da hermenêutica do preceito.

N.º 3 – O prazo para a agência de viagens repor as verbas pagas pelo fundo ao consumidor é encurtado de 60 para 30 dias.

N.º 4 – Especificação do momento a partir do qual se conta o prazo de 30 dias para o consumidor apresentar o requerimento à comissão arbitral (termo da viagem, cancelamento da viagem imputável à agência, data do conhecimento da impossibilidade da sua realização por facto imputável à agência ou encerramento do estabelecimento).

N.º 5 – Enumeram-se algumas situações em que o prazo anterior se considera observado, designadamente o preenchimento do livro do reclamações, a reclamação em simultâneo à agência de viagens e à autoridade turística nacional, à ASAE, aos centros de arbitragem de conflitos de consumo ou ao Provedor do Cliente.

N.º 6 – Previsão da criação de uma taxa que reverte para o Fundo como contrapartida da intervenção da comissão arbitral em moldes a definir em sede regulamentar.

ARTIGO 35.º

N.º 5 – Possibilidade de o seguro de responsabilidade civil ser substituído por uma garantia financeira de harmonia com a Directiva Bolkestein.

ARTIGO 39.º

N.º 1/a) – Uma das situações em que a ASAE pode determinar a suspensão temporária da actividade e o encerramento temporário do estabelecimento é a da declaração de insolvência sem a aprovação do respectivo plano.

Idem, al. f) – Aditamento relativo à não prestação da contribuição adicional que pode determinar a aplicação da medida cautelar pela ASAE de suspensão temporária da actividade e o encerramento temporário do estabelecimento.

N.º 3 – Aditamento. Prevêem-se três situações em que a não observância no prazo de 30 dias determina o cancelamento automático da inscrição no RNAVT:

-       Não entrega à autoridade turística nacional do comprovativo de que as garantias (seguro de responsabilidade civil e contribuições adicionais para o fundo) se encontram em vigor. Aparentemente não se tomou em conta que uma das garantias é agora controlada pelo Turismo de Portugal, IP pelo que a norma deve ser objecto de interpretação restritiva confinando-se o dever ao seguro de responsabilidade civil;
-       A não reposição dos valores no fundo das verbas da sua responsabilidade;
-       A não prestação da contribuição adicional.

ARTIGO 40.º/1/e) – Simples correcção formal.

ARTIGO 42.º/2 – Em vez do site da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade (CACMEP) a decisão de aplicação de sanções pode ser publicitada no site da ASAE. Alteração ligada à modificação do art.º 43.º.

ARTIGO 43.º – A competência para aplicação de sanções previstas na LAVT passa da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade (CACMEP) para a ASAE.

ARTIGO 44.º – Mercê da eliminação da CACMEP os seus 10% do produto das coimas passam para a ASAE (anteriormente 30%, agora 40%) mantendo-se a percentagem do Estado (60%). Inovadoramente quando se tratar de violações relativamente ao fundo de garantia 10% revertem para este organismo.

II) ARTIGO 5.º - DISPOSIÇÃO TRANSITÓRIA

N.º 1 – As agências que se hajam inscrito no RNAVT após 5 de Junho de 2011 (data da entrada em vigor da actual LAVT) e que hajam subscrito o fundo de garantia – não se trata de uma opção, tiveram de o subscrever pois constitui, tal como o seguro de responsabilidade civil, um dos requisitos para a inscrição no RNAVT – é-lhes aplicável o novo regime de contribuição única (2.500 €) previsto no art.º 32.º/1.

Prevê-se o reembolso da diferença, se existir, entre o valor da sua contribuição efectiva (2.500 € ou 5.000 € consoante se tratasse de agências vendedoras ou organizadoras e eventual contribuição anual de 0,1% do volume de negócios que hajam entretanto realizado).

O n.º 1 é, assim, aplicável às agências que acederam ao mercado de harmonia com o novo quadro legal (mera comunicação prévia, segundo a Directiva Bolkestein tinham obrigatoriamente de subscrever o fundo).

Para as que acederam ao mercado de harmonia com o regime anterior (licença /alvará) podiam optar entre conservarem até 5 de Junho de 2012 o sistema de caução (garantia bancária ou seguro-caução) – face ao atraso dos trabalhos legislativos assim permaneceram mais alguns meses – aplica-se o n.º 3 ou se subscreverem o fundo de garantia aplica-se o n.º 4.

No exemplo de uma agência organizadora que facturou 50 milhões de euros, terá a receber 2.500 € (5.000 € da anterior contribuição inicial menos 2.500 € da actual contribuição única) mais 5.000 € da contribuição anual, se a tiver realizado entretanto (0,1% do volume de negócios do ano imediatamente anterior), ou seja, 7.500 €.

Noutro exemplo relativo a uma agência vendedora que pagou 2.500 € de contribuição inicial, que é igual à actual contribuição única, nada tem a receber a esse título. Facturou por hipótese 1 milhão de euros e realizou entretanto a contribuição anual: recebe 1.000 € (0,1% do volume de negócios do ano imediatamente anterior).

N.º 2 – Fixa-se um prazo máximo de 180 dias para a autoridade turística nacional proceder ao reembolso.

N.º 3 – Para as agências de viagens constituídas de harmonia com a legislação anterior (sistema de licença/alvará) que mantiveram a caução, o sistema é diferente: a contribuição única de 2.500 € é substituída por contribuições anuais até 2015, ou seja, quatro pagamentos, devendo a primeira ocorrer nos 30 dias a contar da entrada em vigor do diploma.

Não se prevê qualquer notificação do Turismo de Portugal, IP para o efeito, ao invés do que sucede para as contribuições adicionais (art.º 32.º/6).

O montante da contribuição anual não é directamente proporcional ao volume de negócios mas é calculado em função dos cinco escalões constantes do quadro único que figura no anexo I do diploma. Como se referiu o quadro com cinco escalões serve também para o cálculo das contribuições adicionais quando o fundo em consequência dos pagamentos aos consumidores gerados por agências falidas dispuser de menos de 1 milhão de euros.

No 1º escalão, as agências de viagens com prestações de serviços até 1 milhão de euros pagarão 4 contribuições anuais de 350 €, o que perfaz 1.400 €.

No 2º escalão, as empresas com prestações de serviços superior a 1 e até 5 milhões de euros pagarão 4 contribuições anuais de 500 €, o que soma 2.000 €.

No 3º escalão, as empresas com prestações de serviços superior a 5 e até 10 milhões de euros pagarão 4 contribuições anuais de 1.000 €, o que totaliza 4.000 €.

No 4º escalão, as empresas com prestações de serviços superior a 10 e até 50 milhões de euros pagarão 4 contribuições anuais de 1.500 €, o que perfaz 6.000 €.

Finalmente, no 5º e último escalão, as empresas com prestações de serviços superiores a 50 milhões de euros pagarão 4 contribuições anuais de 3.000 €, o que totaliza 12.000 €.

Nos dois primeiros escalões, em que se situa o núcleo de empresas que de forma mais aguerrida se vem opondo ao mecanismo da solidariedade, existe um ganho de 1.100 € no 1º escalão (nos 4 anos pagam 1.400 €) e 500 € no 2º escalão (nos 4 anos pagam 2.000 €) comparativamente à impropriamente denominada contribuição única de 2.500 €. No entanto, os demais escalões pagam mais de 2 500 €, ou seja o 3º escalão paga nos 4 anos 4.000 €, o 4º escalão paga nesse mesmo período 6.000 € e, por fim, 0 5º escalão paga 12.000 €.

É totalmente incompreensível esta solução pois, como vimos supra, quem haja contribuído para o fundo – obrigatoriamente porque acedeu ao mercado de harmonia com o novo regime de mera comunicação prévia ditado por Bolkestein – vê restituída uma importância significativa, caso já tenha realizado a contribuição anual de 0,1% do volume de negócios (nos exemplos acima referidos 5.000 € e 1.000 €) e, no mínimo, 2.500 € se se tratar de uma agência organizadora/operador turístico.

Mas esquece-se totalmente o elevadíssimo valor de cerca de 12.500 € que as empresas já existentes em 5 de Junho de 2011 pagaram pelo alvará! Não havendo nexo de reciprocidade entre a prestação do serviço e o valor auferido pelo Estado nem tendo sido cumprido o comando legislativo de afectação ao sector de uma parte dessa taxa naturalmente que não se pode ignorar este importante aspecto.

O presidente da APAVT é, como acaba de declarar, frontalmente contra as taxas turísticas que os municípios, designadamente o de Aveiro, pretendem implementar mas não tem um gesto mínimo de reivindicação face a esta iniquidade que afecta as agências de viagens licenciadas ao abrigo das anteriores leis do sector?

Porque não se considerou uma das propostas avançadas na Assembleia da República de essa desproporcionada taxa do alvará cobrada ao longo de anos ser considerada como contribuição inicial? O que equivale a dizer, actualizando a proposta avançada em sede parlamentar, seriam as agências já existentes em 5 de Junho de 2011 dispensadas das quatro contribuições anuais até 2015.

A autoridade turística nacional vai devolver verbas porventura significativas, diminuindo consequentemente a sustentabilidade do fundo, a empresas que acederem recentemente ao mercado, mas a lei não dispensa as contribuições anuais (a partir do 3º escalão superiores à contribuição única de 2.500 €) a empresas há muito existentes. Qual é a lógica que presidiu a esta solução?

Pode contra-argumentar-se: quando o fundo atingir os 2 milhões de euros as empresas existentes deixam de pagar as contribuições anuais. Mas será que é minimamente expectável que isso suceda quando uma parte das verbas do fundo vai ser devolvida e a ausência de limites individuais de responsabilidade pode levar a que uma mega fraude consuma vários milhões de euros distribuídos ao longo dos anos por decisões dos tribunais, comissão arbitral e provedor do cliente?

Nos exemplos acima referidos, a empresa de grande dimensão (agência organizadora/operador turístico) que acedeu ao mercado depois de 5 de Junho de 2011 e que facturou mais de 50 milhões de euros paga apenas a contribuição única de 2.500 € sendo-lhe devolvidos 2.500 € mais 5.000 € o que totaliza 7.500 €. O escalão 5 do Anexo I, ou seja, o pagamento dos 3.000 € só lhe será exigido quando o fundo tiver menos de 1 milhão de euros.

Uma empresa com a mesma facturação de mais de 50 milhões de euros se já existente em 5 de Junho de 2011, independentemente de ter mantido a caução ou realizado a contribuição inicial, vai pagar 12.000 € (5º escalão do Anexo I). O que equivale a dizer que pela circunstância de se tratar de uma empresa existente no mercado há alguns anos paga mais 9.500 € (12.000 € das contribuições anuais menos 2.500 € da contribuição única) que uma organização constituída em Julho de 2011 o que somado à elevada taxa do alvará (12.500 €), que não é atendida a qualquer título, mostra a incongruência do sistema que dá um tratamento mais favorável às empresas recentemente constituídas em detrimento das já existentes há alguns anos.

A prestação de serviços é apurada de harmonia com o anexo N da Declaração Anual de IVA – Regimes Especiais – IES (campo 15).

De harmonia com as instruções fiscais os campos 15 a 18 “só devem ser preenchidos pelos sujeitos passivos que realizem operações sujeitas ao regime definido pelo Decreto-Lei n.º 221/85, de 3 de Julho (agências de viagens e organizadores de circuitos turísticos), mas apenas quando estes actuem em nome próprio perante o cliente e recorram, para a realização dessas operações, a transmissões de bens ou a prestações de serviços efectuadas por terceiros.

Todas as restantes operações, ainda que realizadas pelas agências de viagens e organizadores de circuitos turísticos, devem ser inscritas nos quadros 03 e 04 do anexo L e ou do(s) anexo(s) M, dado que passam a cair no âmbito da disciplina geral do CIVA”.

O campo 15 é reservado “ao montante das contraprestações obtidas, com IVA incluído, relativas aos serviços prestados no período a que se refere a declaração”.

As tradicionais dificuldades na aplicação do regime especial do IVA são agora transportadas para esta sede.

N.º 4 – Enquadra as empresas constituídas antes de 5 de Junho de 2011 (clássico sistema de licença/alvará) que hajam realizado a contribuição inicial de 2.500 € ou 5.000 €, consoante os casos, de forma opcional pois, como se referiu, poderiam ter mantido em vigor a caução.

Se a contribuição inicial que realizaram para o fundo (2.500 € ou 5.000 €) for inferior ao valor devido, ou seja, às quatro prestações anuais de harmonia com o respectivo escalão do anexo I, devem contribuir com a diferença entre o valor efectivamente pago (contribuição inicial + contribuição anual de 0,1%) e a contribuição anual correspondente ao escalão multiplicado por quatro (número de anos até 2015).

N.º 5 – Para as agências licenciadas que podendo manter a caução optaram pelo fundo de garantia determina-se o reembolso da diferença relativa às verbas que efectivamente contribuíram para o fundo (contribuição inicial e eventual contribuição anual) e o valor da contribuição decorrente do correspondente escalão constante no anexo I.

Por exemplo: a agência na qualidade de organizadora realizou a contribuição inicial de 5.000 € enquadrando-se a sua facturação no 3° escalão (4 x 1.000 € = 4.000 €), deverá ser reembolsada em 1.000 €.

Noutro exemplo, uma pequena agência na qualidade de vendedora realizou a contribuição inicial de 2.500 € e situando-se a sua facturação no 1º escalão (4 x 350 = 1.400 €), deverá ser reembolsada em 1.100 €.

N.º 6 – Tal como para o pagamento, o reembolso deve ser efectuado pela autoridade turística nacional no prazo máximo de 180 dias.

N.º 7 – A IES surge como o elemento que permite comprovar o volume de negócios e apurar o valor anual a pagar pelo que deve ser facultada pela agência de viagens à autoridade turística nacional.

N.º 8 – Prevê a devolução da caução (bancária ou seguradora) pela autoridade turística nacional desde o momento em que a agência efectue a sua contribuição para o fundo. Pode questionar-se: na totalidade ou é suficiente a primeira prestação anual? Optando-se pela primeira hipótese ocorre um agravamento da posição das empresas porquanto duplicam os custos, ou seja, o pagamento do prémio anual à seguradora ou à banca mais a contribuição para o fundo. Parece mais de harmonia com o espírito legislativo a segunda hipótese.

N.º 9 – Esclarece-se que às contribuições anuais podem acrescer as contribuições adicionais decorrentes da solidariedade (o fundo em consequência dos pagamentos aos consumidores de agências falidas fica com menos de 1 milhão de euros).

N.º 10 – Manutenção do tradicional sistema da caução em que o cliente pode escolher accionar a garantia da agência organizadora ou da agência vendedora de harmonia o sistema de protecção decorrente da Directiva n.º 90/314/CEE.

N.º 11 – A interpretação deste número é complexa. Podemos exemplificar com uma situação em que a caução de um operador turístico (por exemplo 250.000 €) não cobre o montante total da dívida (exemplo: 2 milhões de euros) e a agência solidariamente responsável – a agência que vende o pacote – já iniciou a sua contribuição para o fundo, seja através da actual contribuição única de 2.500 €, de anteriores contribuições iniciais de 2.500 ou 5.000 €, eventualmente acrescidas da contribuição anual de 0,1% (exclui-se a primeira contribuição anual segundo o correspondente escalão do anexo I porquanto de harmonia com o n.º 8 a caução é devolvida).

O operador A com a caução de 250.000 € faliu, tendo algumas dezenas de clientes com prejuízos de 2 milhões de euros apresentado reclamação na comissão arbitral, provedor do cliente e acções nos tribunais contra as agências vendedoras B a Z que realizaram contribuições iniciais ou anuais segundo o anexo I.

A opção dos consumidores pelas agências vendedoras B a Z abre as portas do fundo até 1 milhão de euros anuais (com efeito, os 2 milhões de euros de prejuízos não ficarão certamente decididos pelas três entidades no primeiro ano, sobretudo no caso dos tribunais).

Com a agravante de os valores que foram pagos pelo fundo aos clientes das agências vendedoras B a Z devem ser repostos por estas agências (art.º 33.º/3).
No referido exemplo a agência C com a facturação de 1 milhão de euros e com uma caução de 250.000 € realizou a contribuição inicial de 2.500 € e vendeu viagens do operador A no montante de 700.000 €, verba que foi restituída aos clientes. A agência C deverá repor 700.000 € no fundo (art.º 33.º/3) o que com elevada probabilidade determinará a sua insolvência.

N.º 12 – O incumprimento de qualquer das obrigações de contribuição para o fundo constituem contra-ordenações punidas com coima de 2.500 € a 3.740 € no caso de pessoas singulares e de 15.000 a 30.000 € no que se refere às pessoas colectivas.

III) ART.º 4.º – OUTRAS OBRIGAÇÕES NO ÂMBITO DO REGISTO NACIONAL DAS AGÊNCIAS DE VIAGENS E TURISMO

 

N.º 1 – Condiciona a inscrição no RNAVT – havendo que contribuir para o fundo de garantia e seguro de responsabilidade civil de harmonia com o art.º 6.º/1/a) e b) – dos estabelecimentos, iniciativas ou projectos declarados de interesse para o turismo (como será o caso de um campo de golfe, uma marina ou um estabelecimento de restauração e de bebidas) a comercialização por via telemática/internet de serviços em território nacional e de forma permanente.

A comercialização dos serviços por via telemática/internet respeita a qualquer das actividades próprias das agências de viagens enumeradas no art.º 3.º/1.

Não querendo inscrever-se no RNAVT terá de se associar – optando-se por uma formulação ampla “por qualquer forma” – a uma entidade nele inscrita que observe tais requisitos como é o caso paradigmático das agências de viagens.

N.º 2 – Os estabelecimentos ou iniciativas declarados de interesse para o turismo identificadas no n.º anterior já existentes devem inscrever-se no RNAVT no prazo de 180 dias a contar da data de entrada em vigor das alterações à LAVT.

N.º 3 – Aplica-se às entidades regionais de turismo, fazendo-se referência à necessidade de observarem, para além das normas de contratação pública, a comercialização dos serviços por meios telemáticos/internet desenvolver-se não directamente mas por intermédio da entidade inscrita no RNAVT que cumpra os requisitos de acesso à actividade de agência de viagens e turismo.

A expressão é aparentemente redundante porquanto a inscrição no RNAVT depende da observância dos requisitos como a subscrição do fundo e a contratação do seguro de responsabilidade civil.

IV) ENTRADA EM VIGOR DAS ALTERAÇÕES

Embora no Anteprojecto estivessem previstos 30 dias após a publicação, o diploma acabado de publicar não tem qualquer disposição relativamente à data da sua entrada em vigor.

Aplica-se nestas situações o art.º 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro (sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas) que fixa supletivamente o prazo de vacatio legis relativamente aos actos legislativos e outros actos de conteúdo genérico, designadamente os diplomas elaborados pelo Governo e pela Assembleia da República os quais entram em vigor no 5º dia após a publicação.

O prazo conta-se a partir do dia imediato ao da sua disponibilização no sítio da internet gerido pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda, S.A., ou seja, as alterações à Lei das Agências de Viagens entraram em vigor no dia 29 de Agosto de 2012.

Sendo a vacatio legis que acabámos de referir fixada supletivamente, significa que o legislador podia ampliá-la mais ou menos acentuadamente, reduzi-la ou mesmo suprimi-la. No Anteprojecto, como se referiu, previam-se 30 dias o que se afigurava bem mais ajustado à situação.

V) AS ALTERAÇÕES VIOLAM A RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º 12/2012

Suprimiu-se no diploma a referência à Resolução da Assembleia da República que até uma fase avançada dos trabalhos legislativos figurava no preâmbulo. Analisemos pois os aspectos constantes das alíneas a) a d), o que a Assembleia da República recomendava e a resposta dada pelo Governo:

“Resolução da Assembleia da República n.º 12/2012

Recomenda ao Governo a alteração de normas do Decreto-Lei n.º 61/2011, de 6 de maio, que «Regula o acesso e exercício da atividade das agências de viagens e turismo».

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que analise, através de grupo de trabalho criado para o efeito, no prazo de 60 dias:

a) Se há uma justa repartição entre as pequenas e médias empresas (PME) e as empresas de maior dimensão no que concerne aos montantes a contribuir para o Fundo de Garantia de Viagens e Turismo (FGVT); e
Resposta negativa: Todas contribuem com 2.500 € seja uma PME ou um grande grupo económico. Nas contribuições adicionais impostas pelo mecanismo da solidariedade quanto maior é a facturação a contribuição para o fundo de garantia é proporcionalmente menor;

b) Se a criação deste Fundo é a melhor forma de assegurar os direitos e legítimas expectativas dos consumidores, bem como se a forma de gestão atualmente prevista é a mais adequada;
Resposta negativa: A caução é preferível mas foi afastada sem qualquer reflexão com o argumento infundado que as empresas não estavam a conseguir a renovação, o que é falso;

c) Se estão garantidas regras para um mercado verdadeiramente concorrencial, tendo em conta as especificidades do setor; e
Não estão se as empresas numa economia de mercado em vez de responderem por si próprias pagam os erros ou fraudes das suas concorrentes. É o caso de prestadores on-line descredibilizando o mercado ao criarem situações de fraude como sucedeu recentemente em França e Espanha;

d) Que envie à Assembleia da República, para apreciação, o relatório elaborado por esse grupo de trabalho.”
Ainda não foi enviado o relatório à assembleia da república. Aparentemente o grupo de trabalho nem sequer foi constituído.

EM CONCLUSÃO:

Mesmo que não se optasse pelo sistema de caução, há muito vigente e dominante por essa Europa, o fundo de garantia poderia ter sido substancialmente melhorado, introduzindo-se limites individuais de responsabilidade proporcionais às contribuições de cada empresa.

Afastado o mais justo e adequado critério da facturação, o sistema de escalões que se consagrou leva a que uma pequena empresa pague proporcionalmente muito mais que uma grande organização nas contribuições adicionais decorrentes da solidariedade. A contribuição única, expressão enganadora, também não faz qualquer distinção, violando-se, assim, a Resolução da Assembleia da República n.º 12/2012, existindo razões para uma nova intervenção deste órgão de soberania.

Naturalmente que o Governo é o principal responsável mas a associação empresarial do sector não está isenta de culpas. Uma vez falhado o principal objectivo – um fundo sobre a sua égide que legitimamente anseia – foi incapaz de compreender os perigos da solidariedade. Pior ainda, contrariando a sua anterior posição nesse domínio, apoiou-a expressamente criando condições objectivas para mega fraudes, que as empresas do sector poderão vir a pagar, aumentando o risco global do sector da distribuição de viagens.



Carlos Torres, Turisver on-line de 30 de Agosto de 2012 e 4 de Setembro de 2012