Destruíram o passado do turismo português mas foram incapazes de lhe perspectivar e alicerçar o futuro.
Na sequência de dois recentes balanços, de pendor auto-elogioso, da autoria do SET, e sendo o final do ano particularmente propício a este tipo de reflexões, segue-se uma primeira apreciação à legislatura, iniciada em 2005 e que terminará no próximo ano, incidindo o texto exclusivamente na governação do turismo.
Esta é, do meu ponto de vista, a Legislatura da oportunidade perdida, pois as invulgares condições, designadamente uma maioria absoluta, a conjuntura internacional favorável ao sector até finais de 2007 e a oposição cooperante e construtiva, teriam permitido reforçar os pilares da administração pública do turismo português e criar um quadro de mais sólido e estruturado de actuação dos entes públicos.
Ao invés, em lugar do reforço, da conservação e melhoria das instituições públicas do turismo, tudo se destruiu, sem um estudo prévio, apanhando de surpresa o sector, não se discutindo e consensualizando a reforma.
Ao sabor das circunstâncias e do improviso do momento e até, imagine-se, ao arrepio do próprio Programa do XVII Governo Constitucional que pressupunha a conservação de instituições com tradição e que prestavam um bom serviço como a DGT, o Inftur ou a Inspecção-Geral de Jogos (IGJ).
Não ficou de pé uma única pedra. Tudo foi arrasado no plano nacional, no regional e no local da administração pública do turismo português. Um caso inédito, segundo creio, ao nível dos principais destinos turísticos.
No plano nacional, a DGT, cujas origens remontavam a 1965, foi extinta, o mesmo sucedendo com o INFTUR e a IGJ. Até o recém-criado Instituto de Turismo de Portugal (ITP) esteve prestes a sucumbir à fúria destruidora, equacionando-se a criação do Instituto Português de Turismo ou da Agência Nacional de Turismo e a integração da IGJ na ASAE.
Procurou o SET justificar a eliminação de instituições que haviam sido decisivas no lançamento e estruturação da actividade com uma reivindicação do sector privado, invocando as declarações do então presidente da APAVT, Vítor Filipe, relativas a uma grande casa do turismo português, logo prontamente contextualizadas pela associação como uma simples alusão à necessidade de concentração de esforços da promoção externa. O que se compreende, pois ninguém tinha, até então, advogado semelhante cataclismo institucional.
A concentração de atribuições no ITP não foi sequer levada às últimas consequências – não temos hoje instituições especializadas como outrora, mas nem todas as atribuições estão no ITP repartindo-se pela DGAE e ASAE – e a instituição andou à deriva. Quadros com larga experiência profissional e conhecimentos científicos aprofundados foram afastados ou mantidos na prateleira.
No plano regional as coisas não correram melhor: primeiro dez regiões com base nas NUT III, numa segunda fase cinco regiões com base nas NUT II, em Conselho de Ministros juntam-se-lhe os cinco pólos previstos no PENT (apresentado duas vezes, com a incrível omissão do turismo religioso apesar de enxertado pela Roland Berger dada a pública insatisfação do MEI), acrescidos de duas soluções ad hoc para Lisboa e Porto.
Entre São Bento e Belém surge o pólo de Fátima, pois não existia qualquer proporcionalidade entre a decisão política da criação de tal figura para o Alqueva e a destruição de uma marca turisticamente pujante e consolidada como a de Leiria-Fátima.
Neste contexto de racionalidade, discretamente liderado pela Presidência da República, Aveiro também teria legitimamente passado a pólo, mas a má vontade contra a região imperou, tal como na exclusão da sua incontornável Universidade no HMI (é importante conhecerem-se os dinheiros públicos que lá se investiram até ao momento, designadamente viagens e remunerações, bem como as iniciativas relevantes que se propõe desenvolver).
O novo figurino torna estas entidades muito dependentes do ITP – uma regressão face ao quadro normativo das regiões de turismo –, as atribuições e competências variam incompreensivelmente de estatuto para estatuto e as verbas são, no essencial, as mesmas quando é pressuposto cobrirem agora mais território. Era preferível ter esperado pela anunciada regionalização que a concretizar-se inutilizará a curto prazo esta reforma.
A exclusão de Andrade Santos da comissão instaladora da ERT Alentejo é claramente um sinal de retALLiação política, criando uma polémica desnecessária que absorveu boa parte dos trabalhos daquele órgão em detrimento dos verdadeiros interesses da região.
Forte com os mais fracos politicamente, fraco perante os politicamente mais fortes: sentado ao lado do Ministro Santos Silva não pôde falar na discussão parALLamentar sobre as regiões de turismo. Solidário, o deputado Correia de Jesus entende que o silêncio forçado se deveu à origem madeirense, eu inclino-me mais para a inconsistência das soluções.
Nesta linha, a não participação em actos de relevo da APAVT designadamente a posse da nova direcção – o vínculo filiALL permitiu, no entanto, a presença num significativo evento do respectivo grupo empresarial no qual foram proferidas lancinantes declarações sobre alegados constrangimentos urbanísticos – a incompreensível declaração de estar em Macau a convite das autoridades locais e, sobretudo, a obstinação de não consagrar legislativamente a figura do provedor do cliente é a resposta política para a saudável independência revelada pela associação empresarial.
No plano local, destaca-se a eliminação da Junta de Turismo da Costa do Estoril, verdadeira política de terra queimada face à tradição e ao bom trabalho que vinha desenvolvendo.
À conhecida espécie dos “adesivos”, personalidades de versátil espinal medula que durante o Estado Novo se notabilizaram pelo seguidismo servil compensado com os favores do Estado, criaram-se os ALLinhados, que sem curricula relevante ascendem a presidências ou outros lugares públicos de relevo desde que contemporizem com os dislates governativos, designadamente a possibilidade de aldeamentos e resorts serem atravessados por comboios ou o turismo de natureza abarcar estas tipologias e outras permeáveis a grandes cargas turísticas.
A ALLtivez política constituiu uma das maiores fragilidades da governação socialista do turismo, ocorrendo um défice de auscultação dos cidadãos nas principais decisões políticas. O secretismo rodeou a feitura das leis mais importantes que chegaram tarde e denotam falta de harmonização, como é o caso da lei das agências de viagens com as novas tipologias de empreendimentos turísticos. A regulamentação da restauração e bebidas surge mais de um ano após a data sucessivamente anunciada pelo SET. Para a restauração um único regulamento (o de maior valor hierárquico), para os empreendimentos turísticos menor dignidade hierárquica e multiplicidade regulamentar (várias portarias).
O fio condutor da promoção externa é aparentemente insondável, denotando improviso: a publicidade no Harrods com fotos do responsável do turismo sorridente junto de ALL Fayed ficam certamente para a posteridade, embora pessoalmente prefira a de Jorge Felner da Costa, em 1985, com a célebre princesa Diana no World Travel Market, proferindo declarações relevantes para Portugal e em particular para o Algarve. Se a eficácia das acções promocionais – das quais importa divulgar a medição da sua eficácia de harmonia com os parâmetros da OMT – deixa muito a desejar, também nos álbuns das fotografias pagas pelos contribuintes as personagens não têm o glamour e o impacto mediático de outros tempos.
A propósito do custo absolutamente desproporcionado de fotografias refiram-se duas reportagens da TVI em que o MEI acaba por devolver a responsabilidade ao ITP, certamente um prenúncio da fábula do navio e dos roedores.
Ainda estava quente a desmontagem da fALLácia da autonomia promocional por Basílio Horta, quando surge a quebra da aparente solidariedade entre o super-presidente do ITP e o SET: em Macau, Luís Patrão, fustigado pelo coro de críticas nega a paternidade da campanha. Surge a dúvida paternALL.
Adensada, pelo menos nas entrelinhas, pelo vice-presidente Frederico Costa, quando num inédito artigo de opinião, se interroga a si próprio sobre se faria as coisas de forma diferente, responde diplomaticamente a propósito da estratégia promocionALL: “Talvez ... Mas isso fica para o campo da especulação.”
No plano interno, o histórico socialista António Carneiro classifica contundentemente o ALLOeste como um flop.
Em suma, destruíram o passado do turismo português, mas foram incapazes de lhe perspectivar e alicerçar o futuro.
ParadoxALL, com efeito...
In Publituris nº 1052, 19 de Dezembro de 2008, pág. 4.