sâmbătă, 23 mai 2015

A nova directiva dos pacotes turísticos



Na União Europeia estão a ser elaborados diplomas com implicações para as agências de viagens e operadores turísticos, como é o caso da revisão do Regulamento (CE) nº 261/2004, que estabelece um conjunto de indemnizações aos passageiros - consoante as distâncias 250€, 400€ ou 600€ - para as situações de overbooking, cancelamento ou atraso considerável dos voos.

Maior impacto terá certamente uma nova directiva que abrangerá, para além dos tradicionais pacotes turísticos, a compra directa de férias pelos consumidores, através da internet, conferindo-lhes uma importante protecção - recuperação das verbas pagas ou repatriamento - no caso de falência dos prestadores de serviços, designadamente  hotéis ou companhias de aviação.

Quer isto dizer que os viajantes europeus, crescentemente seduzidos pela aquisição on line de viagens, terão uma protecção semelhante à que hoje desfrutam quando compram um pacote turístico elaborado por um tour operator e comercializado através da rede de agências de viagens.

Com efeito, a iniciativa pioneira da Europa, concebida em finais dos anos oitenta, consubstanciada na Directiva 90/314/CEE, destinada a proteger um dos maiores fluxos turísticos mundiais - a deslocação para férias dos povos no norte para o sul - é agora, decorridos vinte e cinco anos, substancialmente reforçada para proteger os consumidores da era digital.

Existirão fundamentalmente duas categorias de viagens:
1)    Pacote turístico (viagem organizada): situação clássica que subjaz à Directiva 90/314/CEE, um conjunto de normas europeia de protecção ao consumidor objecto de transposição nas leis das agências de viagens, desde 1993 (na actual: artigos 18º a 36º).
2) Viagem assistida (viagem personalizada ou pacote dinâmico); o viajante contrata directamente com os prestadores de serviços, ainda que a grande distância, fruto do enorme desenvolvimento proporcionado pela internet.

Como objectivos fundamentais do diploma comunitário encontramos um adequado funcionamento do mercado interno e a obtenção de um elevado grau de protecção do consumidor, aproximando aspectos da legislação dos Estados membros relativamente aos pacotes turísticos e viagens assistidas concluídas entre os viajantes e os fornecedores (art. 1º).

O critério da duração (mais de 24 horas) ou o do pernoitamento (incluir uma dormida) continuam a ser essenciais para o conceito de pacote turístico [art.º 2º/2/a)]. São-no também para a nova categoria das viagens assistidas.

Desde que não exista carácter lucrativo, as viagens sejam oferecidas a um grupo limitado de viajantes e de forma ocasional exclui-se a aplicação da directiva [art.º 2º/2/aa)].

Do âmbito da directiva são também excluídos os contratos de serviços financeiros em conexão com pacotes ou viagens assistidas [artº 2º/2/b)] e as viagens oferecidas por agências corporate (operador especializado na organização de viagens de negócios) a viajantes que se descolam por razões profissionais [idem. c)].  Neste sentido, a GEBTA aplaudiu a opção legislativa, destacando que o Package Travel Directive é um importante instrumento para proteger os consumidores nas suas viagens, constituindo no entanto legislação do consumidor não adaptada às relações b2b.

Os contratos relativos a uma venda isolada, designadamente um quarto de hotel ou viagem de  avião encontram-se excluídos do âmbito da directiva.

O conceito de viagem organizada é profundamente alterado. Desaparecendo a estruturante figura da brochura, elaborada pelo operador turístico, sobre a qual se formava e moldava a vontade do consumidor, subsiste tão somente o aspecto da combinação - perdendo-se o carácter prévio  - de pelo menos dois tipos de serviços.

Introduz-se um conceito novo,  o reagrupamento por um único operador, incluindo os serviços a pedido ou segundo a escolha do cliente, antes de ser celebrado um contrato relativo à globalidade dos serviços. Ou seja, a clássica viagem por medida, em que o hotel, o avião etc. são escolhidos pelo cliente, de harmonia com as suas necessidades de viagem, são absorvidos pelo package holiday. A menor responsabilidade da agência de viagens quanto se trate de viagens por medida - restrita à correcta emissão dos títulos de alojamento e de transporte e eventualmente à escolha culposa dos prestadores de serviços - consagrada no nº 5 do art.º 29º LAVT, embora já muito fragilizada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, deixará de existir, agravando-se substancialmente, passando a objectiva, prescindindo da culpa.

O acervo de informação, bastante exigente, que em sede pré-contratual deve ser disponibilizado ao viajante figura no art.º 4º. Enquanto actualmente o preço com tudo incluído, constitui um traço identitário do package holiday, surge agora a proposta de  o preço total dever ser apresentado sob a forma de uma factura circunstanciada “especificando todos os custos do serviço de viagem de forma transparente”.

Outro aspecto importante respeita à informação de que o viajante pode, de harmonia com o art.º 10º, rescindir o contrato, em qualquer momento,  antes da data do início da viagem organizada suportando o pagamento de uma taxa de rescisão razoável. Uma solução certamente inspirada na recente jurisprudência alemã.

Uma inovação  a reter pelos operadores turísticos que oferecem destinos mais longínquos é o de considerar-se alteração contratual significativa a divergência de mais do que três horas da hora efectiva da partida ou da chegada.  No mesmo sentido se não ocorrer na parte do dia indicada nas informações pré-contratuais.

Quando o viajante rescinda o contrato por fundadamente não aceitar alterações na viagem contratada, o organizador deve reembolsar todos os pagamentos efectuados pelo viajante. O prazo para o reembolso é de 14 dias, estendendo-se aos pagamentos de serviços conexos, exemplificando-se com os seguros de viagem ou de cancelamento de viagem ou  actividades adicionais no local oportunamente reservadas.

Consideram-se circunstâncias inevitáveis e excepcionais que obstam à realização ou continuação de uma viagem organizada a sua afectação de forma significativa por uma guerra ou catástrofe natural, concretizando-se com a existência de informações fiáveis e públicas e exemplificando-se com as recomendações emitidas pelas autoridades dos Estados membros desaconselhando deslocações para esse destino.

Face à impossibilidade de assegurar o regresso atempado do viajante, mercê circunstâncias inevitáveis e excepcionais, v.g. um furacão que provocou fortes estragos no aeroporto, introduz-se uma limitação aos custos decorrentes do prolongamento forçado da estada, a suportar pelo tour operator: 100 € por noite, com o limite de três noites por viajante (elevado para cinco noites numa proposta recente).


Os direitos a indemnização decorrentes do Regulamento n.º 261/2004 e os assegurados pela nova directiva dos pacotes turísticos são independentes, tendo o viajante direito de apresentar reclamações ao abrigo dos dois diplomas comunitários. No entanto, não é possível acumular direitos ao abrigo de ambos relativamente aos mesmos factos “se esses direitos salvaguardarem o mesmo interesse ou tiverem o mesmo objetivo”. Exemplificando com o súbito cancelamento do voo que permitiria o viajante ingressar  num cruzeiro com partida nas Caraíbas: se o viajante recebe 600€ pelo cancelamento do voo à luz do Regulamento n.º 261/2004, já não poderá exigir uma indemnização por férias estragadas, um dano moral cujo ressarcimento a nova directiva expressamente consagra.

Consagra-se também a possibilidade de o viajante contactar o organizador por intermédio do retalhista, dirigindo-lhe mensagens, queixas ou reclamações (art.º 13º).


CONCLUSÕES:

1) O significativo grau de protecção que o consumidor passa a beneficiar na reserva directa de serviços, em meio digital,  implica naturalmente a perda de uma vantagem que estava associada às agências de viagens, ou seja,  estas empresas asseguram o repatriamento ou a recuperação das verbas entregues em caso de insolvência mas o mesmo não sucede quando o consumidor contrata directamente com o hotel ou a companhia aérea.

2) A Letónia que preside ao Conselho da União Europeia, , durante o primeiro semestre de 2015,  colocou esta directiva nas suas prioridades, estando agendada uma segunda leitura do texto para o próximo dia 25 de Maio, podendo ser aprovada nessa ocasião.

3) Entre nós, verifica-se um défice de discussão sobre estas candentes matérias, contrastando com as activas posições de outros países, designadamente França, onde importantes organizações como Syndicat des Entreprises du Tour Operating (SETO), Syndicat National des Agents de Voyages (SNAV) e Association Professionnelle de Solidarité du Tourisme (APST),  alertam conjuntamente os poderes públicos para a “inadmissível distorção da concorrência em matéria de protecção de consumidores”  criada pelo projecto da nova directiva.

4) Uma vez aprovada a directiva segue-se a sua transposição para a nossa lei das agências de viagens. Esse, porém, já não será o momento de enfrentar as grandes questões mas tão somente de suavizar um ou outro aspecto.


Carlos Torres, PONTO TURISMO nº 18, Abril-Maio 2015, pp 26-27