Na União Europeia estão a ser elaborados diplomas com implicações para
as agências de viagens e operadores turísticos, como é o caso da revisão do
Regulamento (CE) nº 261/2004, que estabelece um conjunto de indemnizações
aos passageiros - consoante as distâncias 250€, 400€ ou 600€ - para as
situações de overbooking, cancelamento ou atraso considerável dos voos.
Maior impacto terá certamente uma nova directiva que abrangerá,
para além dos tradicionais pacotes turísticos, a compra directa de férias
pelos consumidores, através da internet, conferindo-lhes uma importante protecção
- recuperação das verbas pagas ou repatriamento - no caso de falência dos
prestadores de serviços, designadamente
hotéis ou companhias de aviação.
Quer isto dizer que os viajantes europeus, crescentemente seduzidos
pela aquisição on line de viagens, terão uma protecção semelhante à que
hoje desfrutam quando compram um pacote turístico elaborado por um tour
operator e comercializado através da rede de agências de viagens.
Com efeito, a iniciativa pioneira da Europa, concebida em finais dos
anos oitenta, consubstanciada na Directiva 90/314/CEE, destinada a proteger um
dos maiores fluxos turísticos mundiais - a deslocação para férias dos povos no
norte para o sul - é agora, decorridos vinte e cinco anos, substancialmente
reforçada para proteger os consumidores da era digital.
Existirão fundamentalmente duas categorias de viagens:
1) Pacote turístico (viagem
organizada): situação clássica que subjaz à Directiva 90/314/CEE, um conjunto
de normas europeia de protecção ao consumidor objecto de transposição nas leis
das agências de viagens, desde 1993 (na actual: artigos 18º a 36º).
2) Viagem assistida (viagem personalizada ou pacote dinâmico);
o viajante contrata directamente com os prestadores de serviços, ainda que a
grande distância, fruto do enorme desenvolvimento proporcionado pela internet.
Como objectivos fundamentais do diploma comunitário encontramos um adequado
funcionamento do mercado interno e a obtenção de um elevado grau de
protecção do consumidor, aproximando aspectos da legislação dos Estados
membros relativamente aos pacotes turísticos e viagens assistidas concluídas
entre os viajantes e os fornecedores (art. 1º).
O critério da duração (mais de 24 horas) ou o do pernoitamento
(incluir uma dormida) continuam a ser essenciais para o conceito de pacote
turístico [art.º 2º/2/a)]. São-no também para a nova categoria das viagens
assistidas.
Desde que não exista carácter lucrativo, as viagens sejam oferecidas a
um grupo limitado de viajantes e de forma ocasional exclui-se a aplicação da
directiva [art.º 2º/2/aa)].
Do âmbito da directiva são também excluídos os contratos de serviços
financeiros em conexão com pacotes ou viagens assistidas [artº 2º/2/b)] e as
viagens oferecidas por agências corporate (operador especializado na
organização de viagens de negócios) a viajantes que se descolam por razões
profissionais [idem. c)]. Neste sentido,
a GEBTA aplaudiu a opção legislativa, destacando que o Package Travel Directive é um importante
instrumento para proteger os consumidores nas suas viagens, constituindo no
entanto legislação do consumidor não adaptada às relações b2b.
Os contratos relativos a uma venda isolada, designadamente um quarto
de hotel ou viagem de avião encontram-se
excluídos do âmbito da directiva.
O conceito de viagem organizada é profundamente alterado.
Desaparecendo a estruturante figura da brochura, elaborada pelo operador
turístico, sobre a qual se formava e moldava a vontade do consumidor, subsiste
tão somente o aspecto da combinação - perdendo-se o carácter prévio - de pelo menos dois tipos de serviços.
Introduz-se um conceito novo, o
reagrupamento por um único operador, incluindo os serviços a pedido ou
segundo a escolha do cliente, antes de ser celebrado um contrato relativo à globalidade dos serviços. Ou seja, a clássica viagem
por medida, em que o hotel, o avião etc. são escolhidos pelo cliente, de
harmonia com as suas necessidades de viagem, são absorvidos pelo package
holiday. A menor responsabilidade da agência de viagens quanto se
trate de viagens por medida - restrita à correcta emissão dos títulos de
alojamento e de transporte e eventualmente à escolha culposa dos prestadores de
serviços - consagrada no nº 5 do art.º 29º LAVT, embora já muito fragilizada
pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, deixará de existir, agravando-se
substancialmente, passando a objectiva, prescindindo da culpa.
O acervo de informação, bastante exigente, que em sede pré-contratual
deve ser disponibilizado ao viajante figura no art.º 4º. Enquanto actualmente o
preço com tudo incluído, constitui um traço identitário do package holiday,
surge agora a proposta de o preço total dever ser apresentado sob a forma de uma factura circunstanciada “especificando todos os custos do
serviço de viagem de forma transparente”.
Outro aspecto importante respeita à informação de que o viajante pode,
de harmonia com o art.º 10º, rescindir o contrato, em qualquer momento, antes da data do início da viagem
organizada suportando o pagamento de uma taxa de rescisão razoável.
Uma solução certamente inspirada na recente jurisprudência alemã.
Uma inovação a reter pelos
operadores turísticos que oferecem destinos mais longínquos é o de
considerar-se alteração contratual significativa a divergência de mais
do que três horas da hora efectiva
da partida ou da chegada. No mesmo
sentido se não ocorrer na parte do dia indicada nas informações pré-contratuais.
Quando o viajante rescinda o contrato por fundadamente não aceitar
alterações na viagem contratada, o organizador deve reembolsar todos os
pagamentos efectuados pelo viajante. O prazo para o reembolso é de 14 dias,
estendendo-se aos pagamentos de serviços conexos, exemplificando-se com os seguros de viagem ou de
cancelamento de viagem ou actividades
adicionais no local oportunamente reservadas.
Consideram-se circunstâncias inevitáveis e excepcionais que obstam à realização
ou continuação de uma viagem organizada a sua afectação de forma significativa
por uma guerra ou catástrofe natural, concretizando-se
com a existência de informações fiáveis e públicas e exemplificando-se com as recomendações emitidas pelas autoridades dos
Estados membros desaconselhando deslocações para esse destino.
Face à impossibilidade de assegurar o regresso atempado do viajante,
mercê circunstâncias inevitáveis e excepcionais, v.g.
um furacão que provocou fortes estragos no aeroporto, introduz-se uma limitação aos custos decorrentes do prolongamento
forçado da estada, a suportar pelo tour operator: 100 € por noite, com o
limite de três noites por viajante (elevado para cinco noites numa proposta
recente).
Os direitos a indemnização
decorrentes do Regulamento n.º 261/2004 e os assegurados
pela nova directiva dos pacotes turísticos são independentes, tendo o
viajante direito de apresentar reclamações ao abrigo dos dois diplomas comunitários. No entanto, não é possível acumular
direitos ao abrigo de ambos relativamente aos mesmos factos “se esses
direitos salvaguardarem o mesmo interesse ou tiverem o mesmo objetivo”. Exemplificando
com o súbito cancelamento do voo que permitiria o viajante ingressar num cruzeiro com partida nas Caraíbas: se o
viajante recebe 600€ pelo cancelamento do voo à luz do Regulamento n.º 261/2004, já não poderá exigir uma indemnização por férias estragadas, um dano moral cujo ressarcimento a nova
directiva expressamente consagra.
Consagra-se também a possibilidade de o viajante contactar o
organizador por intermédio do
retalhista, dirigindo-lhe mensagens, queixas ou reclamações (art.º 13º).
CONCLUSÕES:
1) O significativo grau de protecção que o consumidor passa a
beneficiar na reserva directa de serviços, em meio digital, implica naturalmente a perda de uma vantagem
que estava associada às agências de viagens, ou seja, estas empresas asseguram o repatriamento ou a
recuperação das verbas entregues em caso de insolvência mas o mesmo não sucede
quando o consumidor contrata directamente com o hotel ou a companhia aérea.
2) A Letónia que preside ao Conselho da União Europeia, , durante o
primeiro semestre de 2015, colocou esta
directiva nas suas prioridades, estando agendada uma segunda leitura do texto
para o próximo dia 25 de Maio, podendo ser aprovada nessa ocasião.
3) Entre nós, verifica-se um défice de discussão sobre estas candentes
matérias, contrastando com as activas posições de outros países, designadamente
França, onde importantes organizações como Syndicat des Entreprises du Tour Operating (SETO), Syndicat National des Agents de Voyages (SNAV) e Association Professionnelle de Solidarité du Tourisme (APST),
alertam conjuntamente os poderes públicos para a “inadmissível distorção
da concorrência em matéria de protecção de consumidores” criada pelo projecto da nova directiva.
4) Uma vez aprovada a directiva segue-se a sua transposição para a
nossa lei das agências de viagens. Esse, porém, já não será o momento de
enfrentar as grandes questões mas tão somente de suavizar um ou outro aspecto.
Carlos Torres, PONTO TURISMO nº 18, Abril-Maio 2015, pp 26-27