vineri, 15 mai 2015

Greve da TAP: vale em substituição de reembolso e responsabilidade das despesas de hotel


 Ilegal no actual quadro europeu de elevada e crescente protecção do turista, a teoria do caso de força maior - que, no limite, deixaria os clientes sem férias e sem dinheiro - deita fora uma das principais vantagens associadas à contratação com agências de viagens: a segurança jurídica. Comprar um pacote turístico ou reservar directamente na internet teria exactamente a mesma protecção.



A posição de que a recente greve da TAP constitui um caso de força maior, isentando a companhia aérea de qualquer responsabilidade, não me parece aceitável.  No essencial, se os prestadores de serviços, designadamente os hotéis, não procedessem ao reembolso - em regra pouco provável, sobretudo nos destinos mais longínquos - os clientes perderiam uma boa parte ou mesmo a totalidade do preço pago pelas suas férias. Assim mesmo...
Em primeiro lugar, os passageiros têm direitos que devem ser assegurados, designadamente o reembolso do preço total da compra do bilhete, no prazo de sete dias, pago em numerário, transferência bancária electrónica, de ordens de pagamento bancário ou de cheques bancários [art.º 8º/1 do Regulamento (CE) nº 261/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004].
O reembolso só pode realizar-se através de vales de viagem e/ou outros serviços com o acordo escrito do passageiro, sendo ilegal o crédito forçado para outra viagem desta vez seguido pela companhia aérea, contrastando, aliás, com a sua tradição de reembolsos em greves anteriores. Se tivesse sido cumprida a lei, uma boa parte dos problemas surgidos por viagens marcadas antes do pré-aviso de greve teriam sido resolvidos, com maior facilidade, pelos operadores turísticos e agências de viagens,  transferido os voos dos seus clientes para outras companhias aéreas.
Em segundo lugar, também não parece aceitável que os viajantes afectados no voo de  regresso pela concretização da greve não tenham direitos. Desde logo, o art.º 9º do citado regulamento assegura-lhes, a expensas da companhia aérea, o alojamento em hotel caso se torne necessária a sua estadia forçada por uma ou mais noites.
No Regulamento nº 261/2004, tal como na Convenção de Montreal, as greves que afectam o funcionamento das companhias aéreas podem constituir circunstâncias extraordinárias. No entanto, como decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) o legislador comunitário não considerou que esses eventos, cuja lista, aliás, é apenas exemplificativa, constituem em si mesmos circunstâncias extraordinárias, mas apenas que são susceptíveis de produzir semelhantes circunstâncias. Daí resulta que todas as circunstâncias que rodeiam esses eventos não são necessariamente causas de isenção da obrigação de indemnizar prevista no artigo 5.°, n.° 1, alínea c), desse regulamento. (Processo C-549/07, Friederike Wallentin-Hermann contra Alitalia).
Greve não equivale automaticamente a circunstâncias extraordinárias. Uma coisa será uma greve de controladores aéreos que encerra um aeroporto, outra totalmente diferente a afectação dos passageiros provir dos funcionários da companhia aérea, como sucedeu nesta situação delicada em que pilotos pretendem apropriar-se duma parte do capital da transportadora aquando da sua privatização (pode inclusivamente motivar uma acção desta última contra o sindicato em ordem ao ressarcimento dos prejuízos decorrente do abuso do direito de greve).
Pelas razões apontadas, o prolongamento forçado da estada não tinha de ser custeado pelos clientes da agência de viagens, mas pelo operador turístico que elaborou o package holiday, pela simples circunstância deste último ser o responsável pela escolha dos diferentes prestadores de serviços, no caso vertente, a companhia aérea. É o campo da responsabilidade objectiva.

Uma lógica que enforma a Directiva 90/314/CEE, há muito concebida para  proteger um dos maiores fluxos turísticos mundiais e transposta para as legislações dos Estados membros, entre nós actualmente nos artigos 18º a 36º da Lei das Agências de Viagens. Não é o cliente que tem de procurar a solução e suportar os custos decorrentes dos problemas criados por um grupo de trabalhadores da companhia aérea, mas o operador que a escolheu para transportar os seus clientes.

Os custos em que operador turístico incorra são depois recuperados através do denominado direito de regresso, isto é, o direito do operador turístico que indemniza ou suporta despesas do cliente, ilicitamente causadas pelos prestadores de serviços, ser reembolsado das quantias que a esse título despendeu (artigos 29º/2 da LAVT e 5º/1 da Directiva nº 90/314/CEE).

Estando neste momento em adiantado estado de revisão a Directiva 90/314/CEE, nem as propostas mais restritivas avançadas na Europa vão tão longe quanto esta teoria da desresponsabilização. Face à impossibilidade de assegurar o regresso atempado do viajante, mercê circunstâncias inevitáveis e excepcionais, como sucederá no caso de um furacão provocando fortes estragos no aeroporto, está em discussão introduzir uma limitação aos custos decorrentes do prolongamento forçado da estada, a suportar pelo tour operator: 100 por noite, com o limite de três noites por viajante (elevado para cinco noites noutra proposta). Ou seja, mesmo que esta limitação venha a ser introduzida no texto final da nova directiva, contrasta com o fundamentalismo pátrio que pretende excluir toda e qualquer responsabilidade relativamente ao turista que fica retido no destino por o seu voo ter sido cancelado.

Por outro lado, tal posição, para além de ilegal no actual quadro europeu - Directiva nº 90/314/CEE e Regulamento nº 261/2004 deita fora uma das principais vantagens associadas à contratação com agências de viagens: a segurança. Para quê contratar com as agências de viagens se o viajante fica, neste domínio, tão desprotegido como quando compra directamente a sua viagem aos prestadores de serviços (transportadora aérea, hotel, transferes, restaurantes etc.)?

Pode, eventualmente, esta tentativa de desresponsabilização beneficiar uma ou outra empresa, mas compromete a base de confiança que o viajante deposita globalmente nos agentes de viagens, um tecido económico, que à semelhança das demais empresas do turismo, é dominado por PMEs que vivem duma relação de proximidade com a sua clientela.


Carlos Torres, Publituris de 15 de Maio de 2015.