A concretização da greve da TAP
conduz-nos ao problema dos viajantes que estando já no destino a desfrutar as
suas férias, vêm cancelado o voo de
regresso. Terão, por esse motivo, de permanecer no local de férias até que a
TAP encontre uma solução num voo posterior seu ou de outra companhia,
colocando-se uma série de questões, designadamente quem suportará os custos do
hotel.
Como tenho referido, a posição de desresponsabilização
da transportadora, bem como dos operadores turísticos que tenham vendido package
holidays com voos TAP afectados por esta greve, não é aceitável
considerando o actual quadro europeu
de elevada protecção do consumidor.
Com efeito, independentemente de
estarmos perante a venda directa de um bilhete de transporte aéreo ou de um
pacote turístico que o inclua, o art.º 9º do Regulamento 261/2004, assegura
aos passageiros afectados, a expensas da companhia aérea, o alojamento em hotel
caso se torne necessária a sua estadia forçada por uma ou mais noites.
Exemplificando: uma família
adquiriu na agência de viagens A, um pacote turístico para Cabo Verde,
elaborado pelo operador turístico B, tendo embarcado em 24 de Abril e estando
previsto o regresso para dia 6 de Maio.
Se a TAP tiver de cancelar o voo de regresso e só conseguir assegurar o
transporte no dia 9 Maio - em voo próprio
ou de outra companhia aérea - quem suporta o pagamento do hotel?
Naturalmente que, ao contrário do
que tem sido infundadamente afirmado, o
prolongamento da estada não tem de ser custeado pelos clientes da agência de
viagens, mas pelo operador turístico que elaborou o package holiday, pela simples circunstância deste último ser o
responsável pela escolha dos diferentes prestadores
de serviços, no caso em análise, a companhia aérea.
Uma lógica que enforma a Directiva
90/314/CEE, há muito concebida para proteger um dos maiores fluxos turísticos
mundiais e transposta para as legislações dos Estados membros, entre nós
actualmente nos artigos 18º a 36º da Lei das Agências de Viagens (LAVT). Não é
o cliente que tem de procurar a solução e suportar os custos decorrentes dos
problemas criados por grupo de trabalhadores da companhia aérea mas o operador que
a escolheu para transportar os seus clientes.
Num quadro europeu de grande responsabilização do operador turístico
pelo bom resultado do pacote por si elaborado e vendido directamente ou por
intermédio de agências de viagens, aquele terá o dever encontrar uma solução
junto da transportadora, designadamente o regresso noutra companhia, caso a TAP
não lhe ofereça uma proposta razoável que atenda às concretas necessidades dos
clientes afectados pela greve.
Os custos em que operador turístico
incorrer são depois recuperados através do denominado direito de regresso,
isto é, o direito do operador turístico que indemniza ou suporta despesas do
cliente, ilicitamente causadas pelos prestadores de serviços, ser reembolsado
das quantias que a esse título despendeu (artigos 29º/2 da LAVT e 5º/1 da Directiva
nº 90/314/CEE).
Concluindo o exemplo: o operador
turístico B teve de suportar 3 noites, no valor 500 € pelo prolongamento forçado
da estada em Cabo Verde dos seus clientes, não
o pode cobrar e estes últimos mas tão somente à TAP, que cancelou o voo em consequência da greve
dos seus pilotos.
Estando neste momento em revisão a Directiva 90/314/CEE, nem as propostas mais fundamentalistas avançadas Europa, algumas delas influenciadas pelos poderosos operadores turísticos e companhias aéreas alemãs, vão tão longe quanto esta inédita, ilegal e anacrónica teoria da desresponsabilização. Face à impossibilidade de assegurar o regresso atempado do viajante, mercê circunstâncias inevitáveis e excepcionais, como sucederá no caso de um furacão provocando fortes estragos no aeroporto, está em discussão introduzir uma limitação aos custos decorrentes do prolongamento forçado da estada, a suportar pelo tour operator: 100 € por noite, com o limite de três noites por viajante (elevado para cinco noites numa proposta recente). Ou seja, mesmo que esta limitação venha a ser introduzida no texto final da directiva, nada tem a ver com o fundamentalismo pátrio que pretende excluir toda e qualquer responsabilidade.
Por outro lado, a insustentável tese da irresponsabilização para além de ilegal no actual quadro europeu (Directiva 90/314/CEE e Regulamento 261/2004) deitaria fora uma das principais vantagens associadas à contratação com agências de viagens: a segurança. Para quê contratar com as agências de viagens se o viajante fica tão desprotegido como se reservasse directamente os serviços na internet?
Pode, eventualmente, a infundada tese em análise beneficiar um ou outro grande grupo, mas compromete a base de confiança que o viajante deposita globalmente nos agentes de viagens, um tecido económico, que à semelhança das demais empresas do turismo, é dominado por PMEs que vivem duma relação de proximidade com a sua clientela.
Carlos Torres, 1 de
Maio de 2015.