sâmbătă, 19 iunie 2010

Passar férias onde?

A polémica despoletada por Cavaco Silva teve um final feliz: o reforço de dois milhões de euros para a campanha “Descubra um Portugal maior”. O anúncio foi feito por Bernardo Trindade, que diz que as declarações do Presidente da República estão em linha “com o que o Governo está a fazer”.

O País turístico acordou esta segunda-feira com um debate no Fórum TSF motivado pelas declarações do Presidente da República de incentivo às “férias cá dentro”, sob pena de quem as gozar no estrangeiro estar a contribuir para o agravamento da dívida externa. “Passar ferias no País é criar emprego, é combater o desemprego, é ajudar à melhoria das condições de vida dos portugueses, é reduzir o sofrimento daqueles que conseguem entrar no mercado de trabalho”, afirmou Cavaco Silva, no fim-de-semana passado, durante a inauguração do pavilhão desportivo de Albufeira.
A declaração trouxe muito ruído, empolada ainda mais com as palavras do ministro da Economia Vieira da Silva que, reagindo a quente em Xangai, disse que, se todos os presidentes das repúblicas estrangeiras afirmassem o mesmo, Portugal não receberia turistas. Valeu o debate na TSF que, ao provocar a opinião das associações, confederação e secretaria de Estado do Turismo, ajudou a esclarecer o povo (ver caixa). Vai-se a ver e, tal como publicaram os jornais económicos e generalistas ao longo da semana, toda a gente está com o Presidente da República. Por exemplo, o Jornal i foi conhecer os planos de férias de 30 políticos e empresários e concluiu que a maior parte “passa férias em Portugal com 5,1 milhões de portugueses”, enquanto o Público dizia que “os turistas nacionais já estão a gastar menos no estrangeiro e maioria passa férias em Portugal”. Já o Jornal de Negócios fez as contas e escreve que se “os portugueses trocassem as viagens ao estrangeiro por turismo cá dentro, ajudariam a reduzir o défice externo em 17,5%. Mas se os estrangeiros os imitassem, e deixassem de vir a Portugal, o mesmo défice subiria 27,2%”. Políticos à parte, mais difícil será apurar o número de portugueses que o faz por solidariedade, defesa da economia e amor à pátria, ou se por uma mera questão financeira.

BALANÇA TURÍSTICA
Entretanto, Carlos Torres, advogado e colaborador do Publituris, traçou alguns comentários sobre a questão, começando por enaltecer o mérito do Presidente da República por levar a sociedade a discutir os problemas do turismo. “O Presidente introduz um deles, com grande sentido de oportunidade, pois estamos numa conjuntura dificílima para as contas públicas. Com efeito, Portugal está no 27º lugar do ranking da OMT em termos de receitas mas ocupa o 38º lugar na exportação de turistas, algo surpreendente se atendermos à pouca população e ao baixo nível de rendimento associado”, sublinha.
Carlos Torres entende que “o apelo presidencial é para um saldo maior entre as despesas dos turistas estrangeiros em Portugal e dos turistas portugueses no estrangeiro, um superavit mais expressivo”. Ou seja, “não se trata obviamente de proibir mas de apelar ao sentido patriótico, de solidariedade nacional”. Perante a situação criada, Carlos Torres enaltece a postura de Bernardo Trindade e critica Vieira da Silva: “Muito bem o secretário de Estado do Turismo, que não destoando do apelo do Presidente da República procurou evidenciar que o Governo já tinha acordado para o problema, e que havia lançado uma apelativa campanha de turismo interno com reflexos positivos em 2009, traduzidos no acréscimo do turismo interno. Mal andou Vieira da Silva. Em primeiro lugar porque a exportação de turistas nacionais embora corresponda a uma inevitabilidade, sobretudo à medida que se vão gerando maiores rendimentos no país, é sempre um factor de desequilíbrio das contas públicas, é dinheiro que sai”. O advogado especialista em turismo lembra ainda que Vieira da Silva “não tem de se preocupar com as reacções de equivalentes de outros países, até porque não dispõem certamente de condições climatéricas e outras para o turismo como Portugal, estão vocacionados para outras actividades, o peso do turismo no PIB é inferior ao nosso”. Mais, “é sabido que os maiores fluxos turísticos ao nível mundial são dos países do Norte da Europa para o Sul durante o Verão, tendo como destino as praias e resorts mediterrânicos”.
E acrescenta: “França, primeiro destino turístico mundial, há muito que valoriza a componente do turismo interno. Manuel Pinho e Bernardo Trindade também para ela despertaram nos últimos anos da governação. Trata-se, afinal, de aproveitar os efeitos de campanhas como Portugal faz bem ou outras e nada mais do que isso”, concluindo que “a esfera de liberdade de cada cidadão permanece intocada”.

Fátima Valente / fvalente@publituris.workmedia.pt In Publituris nº 1123, de 11 de Junho de 2010, pág. 3