joi, 26 februarie 2015

Paridade, elevada remuneração das OTAs, interdição de contratação directa com clientes e outras cláusulas restritivas da concorrência



Estas matérias serão discutidas num dos painéis do próximo congresso da ADHP, analisando-se a relação das OTAs com a hotelaria portuguesa,  contextualizando-a com a experiência das normas europeias da concorrência e da protecção do consumidor.


A hotelaria  enfrenta actualmente um conjunto de adversidades que a afectam significativamente. Entre outras, a eufemisticamente designada economia colaborativa, em que particulares oferecem a preços convidativos os seus imóveis para alojarem  turistas, através de plataformas digitais como a HomeAway ou Airbnb, não suportando os custos de mão obra qualificada inerentes aos múltiplos serviços impostos pelo legislador nos hotéis, escapando às suas complexas e dispendiosas instalações e equipamentos. Não apenas o alojamento mas também a oferta de bebidas e refeições ou até o transporte de turistas se acobertam progressivamente sob o manto diáfano da sharing economy que, neste particular, deveria ser encarada como uma flagrante violação à legislação.  O permissivo RJAL é outro exemplo do estímulo a este tipo de oferta, onde quase tudo é permitido e pouco exigido.

Na crescente intermediação digital, onde pontificam as online travel agents (OTAs), assistimos a um conjunto de desequilíbrios contratuais como a paridade, as elevadas comissões cobradas aos hotéis, a informação errónea que veiculam sobre o preço ou a indisponibilidade de quartos (como no caso SAS Hotel de La Place du Louvre), as limitações que impõem ao hoteleiro na busca de clientes directos ou a extinção abrupta e não fundamentada da relação contratual. Refira-se também a extraordinária possibilidade de a OTA modificar o contrato firmado com o hotel, sob pena de cancelar o instrumento contratual.

A circunstância de tais limitações em benefício das OTAs figurarem em contratos-tipo,  iguais para todos os hotéis, afastando  qualquer margem  de negociação, cria um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes. Por tais razões, em Maio de 2014, o ministro da economia francês, Arnaud de Montebourg,  intentou no tribunal de comércio de Paris uma acção contra a Booking, visando um conjunto de cláusulas abusivas inseridas em contratos-tipo.

Um dos aspectos de maior discussão, pela grande influência nas decisões dos consumidores e pela concorrência desleal que introduz nas empresas, prende-se com a e-reputação dos hotéis, avultando aspectos como a falta de controlo sobre os comentários realizados em sites,  o manifesto exagero dos utentes na apreciação negativa dos estabelecimentos, outros de falsidade nos comentários estimulados por concorrentes e até de chantagem para obtenção de serviços gratuitos. 

Em  Dezembro de 2014, a autoridade italiana da concorrência e do mercado (AGCM), sancionou a sociedade TripAdvisor, com uma multa de 500 000, fixando-lhe também a  obrigação de, no prazo de 90 dias, apresentar medidas idóneas para eliminar a natureza enganosa da informação que divulga no seu site enfatizando a veracidade e fiabilidade dos comentários dele constantes. O procedimento centrou-se na difusão de informações enganosas sobre as fontes dos comentários publicados no site www.tripadvisor.it, relativamente aos quais os procedimentos adoptados pela empresa não foram considerados  adequados para  controlar o fenómeno dos comentários falsos, detectando-se  uma manifesta insuficiência de recursos humanos afectos a tal tarefa, surpreendentemente apenas cinco em toda a Europa.


Também em Dezembro de 2014, a Comissão Europeia e as autoridades da concorrência francesa, italiana e sueca, anunciaram a consulta pública dos interessados sobre as cláusulas de paridade ou most favoured nation (MFN), no âmbito de processos instaurados naqueles países contra a Booking.com por violação das regras nacionais e comunitárias - artigos 101º e 102º do Tratado de Funcionamento da União Europeia - em matéria de concorrência.

Um grupo de deputados franceses apresentou, em Maio de 2014, um projecto de lei que visa enquadrar os métodos praticados pelas OTAs, disciplinando as cláusulas de paridade tarifária também denominadas paridade de preços ou de garantia do melhor preço.

Na exposição de motivos os deputados subscritores fazem notar a importância do sector, o desenvolvimento de novas ferramentas digitais que revolucionaram a hotelaria francesa que representa um volume de negócios de 17 000 milhões  num universo 17.000 hotéis, em média 1 milhão de euros por hotel. Destacam que actualmente cerca de 50% das reservas são feitas pela  internet, metade das quais através de OTAs, uma tendência em crescendo. Duas empresas americanas dominam totalmente o mercado - Priceline e Expedia - impondo cláusulas manifestamente desequilibradas, sem possibilidade de negociação por parte das entidades exploradoras dos hotéis, as quais podem configurar práticas anticoncorrenciais.

Face ao entendimento doutrinário de que é possível prever na lei a interdição das cláusulas de paridade de preços, em razão do desequilíbrio significativo que introduzem, os deputados propõem uma nova redacção da alínea d)  artigo L 442-6 do Code de Commerce que estatui a nulidade das cláusulas pelas quais uma das partes beneficie automaticamente de condições mais favoráveis concedidas a empresas concorrentes ou ao conjunto dos distribuidores concorrentes bem como organizar um enquadramento tarifário paritário que tenha por objecto ou que possa ter por efeito eliminar a concorrência de preços entre todos os distribuidores..

A autoridade da concorrência alemã proibiu, em Dezembro de 2013, a companhia HRS, líder dos portais de hotéis, de aplicar a cláusula de paridade. Em Janeiro de 2014, a autoridade da concorrência do Reino Unido, aceitou neste domínio, compromissos vinculativos, pelo período de dois anos, da Booking, Expedia e InterContinental Hotels. Na Hungria e Suíça também ocorreram investigações das respectivas autoridades da concorrência.

Estas matérias ganham uma importância crescente, mostrando que associações mais aguerridas ou até mesmo simples grupos de cidadãos organizados podem inflectir situações de grande desequilíbrio contratual, aproveitando as enormes potencialidades do direito europeu da concorrência mas também do direito europeu do consumo. No referido processo TripAdvisor, tal como em David contra Golias, na origem da investigação esteve um modesto estabelecimento de alojamento (Agriturismo La Vecchia).

Carlos Torres, Revista DirHotel Fevereiro 2015.