Estas matérias serão discutidas num dos painéis do próximo congresso da ADHP, analisando-se a relação das OTAs com a
hotelaria portuguesa, contextualizando-a
com a experiência das normas europeias da concorrência e da protecção do consumidor.
A
hotelaria enfrenta actualmente um
conjunto de adversidades que a afectam significativamente. Entre outras, a
eufemisticamente designada economia colaborativa, em que particulares
oferecem a preços convidativos os seus imóveis
para alojarem turistas, através
de plataformas digitais como a HomeAway ou Airbnb, não
suportando os custos de mão obra
qualificada inerentes aos múltiplos serviços
impostos pelo legislador nos hotéis,
escapando às suas complexas e dispendiosas
instalações e equipamentos. Não
apenas o alojamento mas também a oferta de
bebidas e refeições ou até o
transporte de turistas se acobertam progressivamente sob o manto diáfano
da sharing economy que, neste particular, deveria ser encarada como uma
flagrante violação à legislação. O permissivo RJAL é outro
exemplo do estímulo a este tipo
de oferta, onde quase tudo é permitido e pouco
exigido.
Na
crescente intermediação digital, onde
pontificam as online travel agents (OTAs), assistimos a um conjunto de desequilíbrios
contratuais como a paridade, as elevadas comissões
cobradas aos hotéis, a informação
errónea que veiculam sobre o preço
ou a indisponibilidade de quartos (como no caso SAS Hotel de La Place du
Louvre), as limitações que impõem
ao hoteleiro na busca de clientes directos ou a extinção
abrupta e não fundamentada da relação
contratual. Refira-se também a extraordinária
possibilidade de a OTA modificar o contrato firmado com o hotel, sob pena de
cancelar o instrumento contratual.
A
circunstância de tais limitações
em benefício das OTAs figurarem em
contratos-tipo, iguais para todos os hotéis,
afastando qualquer margem de negociação,
cria um desequilíbrio
significativo entre os direitos e obrigações
das partes. Por tais razões, em Maio de
2014, o ministro da economia francês,
Arnaud de Montebourg, intentou no tribunal
de comércio de Paris uma acção
contra a Booking, visando um conjunto de cláusulas
abusivas inseridas em contratos-tipo.
Um
dos aspectos de maior discussão, pela grande
influência
nas decisões dos consumidores e pela concorrência desleal que introduz nas
empresas, prende-se com a e-reputação
dos hotéis, avultando aspectos como a falta
de controlo sobre os comentários realizados
em sites, o manifesto exagero dos
utentes na apreciação negativa dos
estabelecimentos, outros de falsidade nos comentários
estimulados por concorrentes e até de
chantagem para obtenção de serviços
gratuitos.
Em Dezembro de 2014, a autoridade italiana da
concorrência
e do mercado (AGCM), sancionou a sociedade TripAdvisor, com uma multa
de 500 000€, fixando-lhe também
a obrigação
de, no prazo de 90 dias, apresentar medidas idóneas
para eliminar a natureza enganosa da informação
que divulga no seu site enfatizando a veracidade e fiabilidade dos
comentários dele
constantes. O procedimento centrou-se na difusão de informações
enganosas sobre as fontes dos comentários
publicados no site www.tripadvisor.it,
relativamente aos quais os procedimentos adoptados pela empresa não
foram considerados adequados para controlar o fenómeno
dos comentários
falsos, detectando-se uma manifesta insuficiência
de recursos humanos afectos a tal tarefa, surpreendentemente apenas cinco em
toda a Europa.
Também
em Dezembro de 2014, a Comissão Europeia e as
autoridades da concorrência
francesa, italiana e sueca, anunciaram a consulta pública
dos interessados sobre as cláusulas de
paridade ou most
favoured nation (MFN), no âmbito
de processos instaurados naqueles países
contra a Booking.com por violação das regras
nacionais e comunitárias - artigos 101º
e 102º do Tratado de Funcionamento da União
Europeia - em matéria de concorrência.
Um
grupo de deputados franceses apresentou, em Maio de 2014, um projecto de lei
que visa enquadrar os métodos praticados
pelas OTAs, disciplinando as cláusulas
de paridade tarifária
também denominadas paridade de preços
ou de garantia do melhor preço.
Na
exposição de motivos os deputados
subscritores fazem notar a importância
do sector, o desenvolvimento de novas ferramentas digitais que revolucionaram a
hotelaria francesa que representa um volume de negócios de € 17
000 milhões
num universo 17.000 hotéis, em média
1 milhão de euros
por hotel. Destacam que actualmente cerca de 50% das reservas são
feitas pela internet, metade das quais
através de OTAs, uma tendência em crescendo. Duas empresas
americanas dominam totalmente o mercado - Priceline e Expedia - impondo cláusulas
manifestamente desequilibradas, sem possibilidade de negociação
por parte das entidades exploradoras dos hotéis,
as quais podem configurar práticas
anticoncorrenciais.
Face
ao entendimento doutrinário de que é possível prever na lei
a interdição das cláusulas
de paridade de preços, em razão
do desequilíbrio significativo que introduzem, os
deputados propõem uma nova redacção
da alínea d) artigo L 442-6 do Code de Commerce que
estatui a nulidade das cláusulas pelas
quais uma das partes “beneficie automaticamente de
condições mais favoráveis concedidas a empresas concorrentes ou ao conjunto dos
distribuidores concorrentes bem como organizar um enquadramento tarifário paritário que tenha por objecto ou
que possa ter por efeito eliminar a concorrência de preços entre todos os distribuidores.”.
A
autoridade da concorrência alemã proibiu,
em Dezembro de 2013, a companhia HRS, líder
dos portais de hotéis, de aplicar a
cláusula de paridade. Em Janeiro de
2014, a autoridade da concorrência do Reino
Unido, aceitou neste domínio, compromissos
vinculativos, pelo período de dois anos,
da Booking, Expedia e InterContinental Hotels. Na Hungria e Suíça
também ocorreram investigações
das respectivas autoridades da concorrência.
Estas
matérias ganham uma importância
crescente, mostrando que associações
mais aguerridas ou até mesmo simples
grupos de cidadãos organizados
podem inflectir situações de grande
desequilíbrio contratual, aproveitando as
enormes potencialidades do direito europeu da concorrência mas também
do direito europeu do consumo. No referido processo TripAdvisor, tal como em
David contra Golias, na origem da investigação
esteve um modesto estabelecimento de alojamento (Agriturismo La Vecchia).
Carlos Torres, Revista DirHotel Fevereiro 2015.