vineri, 14 noiembrie 2014

A nova lei da hostelaria e similares



"Ao suavizar os requisitos, em vez de criar uma maior exigência neste domínio, o RJAL vai induzir mais oferta. Os hostels híbridos, nos quais para além  das tradicionais camaratas ou dormitórios, surge um significativo número de quartos ou suites, escapam à proibição do art.º 2º/2, esbatem a fronteira com a hotelaria tradicional e criam confusão nos consumidores."




Em 27 de Novembro próximo, entrará em vigor o Regime Jurídico do Alojamento Local (RJAL), aprovado pelo Decreto-Lei nº 128/2014, de 29 de Agosto.

A figura do alojamento local foi criada, em 2008, pelo RJET (Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março), para integrar duas realidades: o alojamento paralelo ou clandestino há muito existente no terreno e enquadrar tipologias extintas (pensões, motéis e estalagens), que não reunissem condições para serem consideradas empreendimentos turísticos.

A maior facilidade associada ao processo de simples registo nas câmaras municipais - em vez do mais exigente licenciamento inerente aos empreendimentos turísticos - e o advento de novas formas de alojamento extra-hoteleiro, designadamente os hostels e os apartamentos nas cidades conduziram a uma grande notoriedade da figura.

Ao permitir-se, na última revisão do RJET (Decreto-Lei nº 15/2014, de 23 de Janeiro), que o alojamento local se autonomizasse do plano regulamentar dos empreendimentos turísticos (Portaria nº 517/2008, de 25 de Junho) para um decreto-lei que disciplina exclusivamente esta modalidade, cometeu-se o primeiro de uma série de erros. Passou-se da subordinação hierárquica do regulamento à lei para o plano da igualdade normativa, ou seja, RJET e RJAL passam a figurar ambos em decretos-lei autónomos e com igual valor jurídico.

Outra opção legislativa menos feliz, respeita à desconsideração da oferta instalada nos diferentes territórios turísticos. Deveria ter-se consagrado um princípio de subsidiariedade, em que a criação de alojamento local só seria permitida onde não existisse uma suficiente oferta de empreendimentos turísticos (instalada ou projectada). Ao invés, onde exista uma oferta excedentária de empreendimentos turísticos é incompreensível permitir-se a criação de mais alojamento local, que deveria ficar confinada a situações excepcionais, designadamente um projecto reconhecidamente inovador da oferta de alojamento turístico ou associado à recuperação de imóveis.

A regra do art.º 2º/2, que proíbe a exploração do alojamento local quando o estabelecimento reúna requisitos para empreendimento turístico, é positiva, mas facilmente contornável. Como o legislador consagra os hostels híbridos (em vez das tradicionais camaratas ou dormitórios, o art.º 14º/1 permite-lhes também terem quartos ou suites), o art.º 7º/1 do RJET obsta à qualificação de empreendimento turístico na medida em as unidades de alojamento destinam-se sempre ao uso exclusivo  e privativo dos utentes. Basta, assim,  a simples maioria das unidades de alojamento do hostel ser constituída por dormitórios para o art.º 2º/2 não imperar, sendo que o estabelecimento pode concorrer, em simultâneo, no segmento do alojamento local e no da hotelaria tradicional através de um significativo número de quartos e ou suites.

Os limites de capacidade (art.º 7º) são um mero paliativo, sendo que muito do alojamento local que está no terreno, designadamente em Lisboa, teria passado tranquilamente por este crivo. A ratio da solução residirá no limite mínimo de 10 unidades de alojamento fixado para os estabelecimentos hoteleiros (art.º 12º/1 RJET). Uma espécie de fronteira de natureza quantitativa entre as duas formas de alojamento, nas quantidades inferiores - até nove quartos -  seria o campo do alojamento local, a partir de dez unidades de alojamento imperam os empreendimentos turísticos.
 
Sucede que os hostels não estão sujeitos aos limites de capacidade (art.º 11º/1), bem como todos os estabelecimentos registados à data da entrada em vigor do RJAL  (art.º 33º/5). 

o se compreende a isenção de taxa da mera comunicação prévia (art.º 6º/6), um privilégio dos estabelecimentos de alojamento local, contrastando com os empreendimentos turísticos, agências de viagens e empresas de animação. Poderia também ter-se pensado na protecção do consumidor, instituindo-se algo semelhante ao fundo de garantia das agências de  viagens.

Um dos aspectos mais relevantes do alojamento local - o dos hostels - não foi disciplinado na sua totalidade, remetendo-se os aspectos de pormenorização dos seus requisitos para o plano regulamentar (art.º 14º/4).

Outra das inovações relativamente à disciplina anterior, consiste na vistoria obrigatória por parte da câmara municipal nos trinta dias subsequentes à apresentação da mera comunicação prévia, com o escopo de verificar o cumprimento dos elementos que integram a mera declaração prévia, plasmados no art.º 6º (art.º 8º/1).  Existem, no entanto,  grandes interrogações relativamente à capacidade das câmaras municipais cumprirem tal prazo.

Os requisitos gerais dos estabelecimentos são fixados no nº 1 do art.º 12º enquanto os relativos às unidades de alojamento constam do nº 2. Correspondem, no essencial, ao art.º 5º da Portaria 517/2008, embora comparativamente surjam requisitos menos exigentes ou até a sua eliminação:
-     Alínea a) refere adequadas condições de conservação e funcionamento das instalações e equipamentos em lugar da anterior exigência de edifícios bem conservados no interior e no exterior;
-     Suprimiu-se  a exigência de  uma instalação sanitária por cada três quartos.
-     Foi também eliminada a regra da arrumação e limpeza da unidade de alojamento, mudança de toalhas e roupa da cama pelo menos uma vez por semana ou em razão da mudança de utente.
-     Já não se permite introdução de requisitos ad meliorandum por parte das câmaras municipais;




Carlos Torres, Publituris de  14 de Novembro de 2014