"Ao suavizar os requisitos,
em vez de criar uma maior exigência neste domínio, o RJAL vai induzir mais
oferta. Os
hostels híbridos, nos quais para além das tradicionais camaratas ou dormitórios,
surge um significativo número de quartos ou suites, escapam à proibição do
art.º 2º/2, esbatem a fronteira com a hotelaria tradicional e criam confusão nos
consumidores."
Em 27 de Novembro próximo, entrará em vigor o Regime Jurídico do Alojamento Local (RJAL), aprovado pelo Decreto-Lei nº 128/2014, de 29 de Agosto.
A figura do alojamento local foi criada, em 2008, pelo RJET (Decreto-Lei
nº 39/2008, de 7 de Março), para
integrar duas realidades: o alojamento paralelo ou clandestino há muito
existente no terreno e enquadrar tipologias extintas (pensões, motéis e
estalagens), que não reunissem condições para serem consideradas empreendimentos
turísticos.
A maior facilidade associada ao processo de simples registo nas câmaras municipais - em vez do mais exigente licenciamento inerente aos
empreendimentos turísticos - e o advento de novas formas de alojamento
extra-hoteleiro, designadamente os hostels e os apartamentos nas cidades
conduziram a uma grande notoriedade da figura.
Ao permitir-se, na última revisão do RJET (Decreto-Lei nº 15/2014, de
23 de Janeiro), que o alojamento local se autonomizasse do plano regulamentar dos empreendimentos turísticos (Portaria nº 517/2008,
de 25 de Junho) para um decreto-lei
que disciplina exclusivamente esta modalidade, cometeu-se o primeiro de uma
série de erros. Passou-se da subordinação hierárquica do regulamento à lei
para o plano da igualdade normativa,
ou seja, RJET e RJAL passam a figurar ambos em decretos-lei autónomos e com
igual valor jurídico.
Outra opção legislativa menos feliz, respeita à desconsideração da oferta
instalada nos diferentes territórios turísticos. Deveria ter-se consagrado um princípio
de subsidiariedade, em que a criação de alojamento local só seria permitida
onde não existisse uma suficiente oferta de empreendimentos turísticos (instalada
ou projectada). Ao invés, onde exista uma oferta excedentária de empreendimentos
turísticos é incompreensível permitir-se a criação de mais alojamento local,
que deveria ficar confinada a situações excepcionais, designadamente um projecto reconhecidamente inovador da
oferta de alojamento turístico ou associado à recuperação de imóveis.
A regra do art.º 2º/2, que proíbe a exploração do alojamento local
quando o estabelecimento reúna requisitos para empreendimento turístico, é
positiva, mas facilmente contornável. Como o legislador consagra os hostels
híbridos (em vez das tradicionais camaratas ou dormitórios, o art.º 14º/1 permite-lhes também terem quartos ou suites), o
art.º 7º/1 do RJET obsta à qualificação de empreendimento turístico na medida
em as unidades de alojamento destinam-se sempre ao uso exclusivo e privativo dos utentes. Basta, assim, a simples maioria das unidades de alojamento
do hostel ser constituída por
dormitórios para o art.º 2º/2 não imperar, sendo que o estabelecimento pode
concorrer, em simultâneo, no segmento do alojamento local e no da hotelaria
tradicional através de um significativo número de quartos e ou suites.
Os limites de capacidade (art.º 7º) são um mero paliativo, sendo que
muito do alojamento local que está no terreno, designadamente em Lisboa, teria
passado tranquilamente por este crivo. A ratio da solução residirá no
limite mínimo de 10 unidades de alojamento fixado para os estabelecimentos
hoteleiros (art.º 12º/1 RJET). Uma espécie de fronteira de natureza
quantitativa entre as duas formas de alojamento, nas quantidades inferiores -
até nove quartos - seria o campo do
alojamento local, a partir de dez unidades de alojamento imperam os
empreendimentos turísticos.
Sucede que os hostels não
estão sujeitos aos limites de capacidade (art.º 11º/1), bem como todos os
estabelecimentos registados à data da entrada em vigor do RJAL (art.º 33º/5).
Não se compreende a isenção de taxa
da mera comunicação prévia (art.º 6º/6), um privilégio dos estabelecimentos de alojamento
local, contrastando com os empreendimentos turísticos, agências
de viagens e empresas de animação. Poderia também ter-se pensado na protecção
do consumidor, instituindo-se algo semelhante ao fundo de garantia das agências de viagens.
Um dos aspectos mais relevantes do alojamento local - o dos hostels - não foi disciplinado na sua
totalidade, remetendo-se os aspectos de pormenorização dos seus requisitos para
o plano regulamentar (art.º 14º/4).
Outra das inovações relativamente à disciplina anterior, consiste na vistoria obrigatória por parte da câmara
municipal nos trinta dias subsequentes à apresentação da mera comunicação
prévia, com o escopo de verificar o cumprimento dos elementos que integram a
mera declaração prévia, plasmados no art.º 6º (art.º 8º/1). Existem, no entanto, grandes interrogações relativamente à
capacidade das câmaras municipais cumprirem tal prazo.
Os requisitos gerais dos estabelecimentos são fixados no nº 1
do art.º 12º enquanto os relativos às unidades de alojamento constam do nº 2.
Correspondem, no essencial, ao art.º 5º da Portaria 517/2008, embora comparativamente
surjam requisitos menos exigentes ou até a sua eliminação:
-
Alínea a) refere adequadas condições de conservação e
funcionamento das instalações e equipamentos em lugar da anterior exigência de edifícios
bem conservados no interior e no exterior;
-
Suprimiu-se a
exigência de uma instalação sanitária
por cada três quartos.
-
Foi também eliminada a regra da arrumação e limpeza da
unidade de alojamento, mudança de toalhas e roupa da cama pelo menos uma vez
por semana ou em razão da mudança de utente.
-
Já não se permite introdução de requisitos ad
meliorandum por parte das câmaras municipais;
Carlos Torres, Publituris de 14 de Novembro de 2014