luni, 1 septembrie 2014

REGIME JURÍDICO DO ALOJAMENTO LOCAL (RJAL) 1ª parte




1) O REGIME JURÍDICO DO ALOJAMENTO LOCAL (RJAL)

O Decreto-Lei nº 128/2014, de 29 de Agosto, aprovou o regime jurídico dos estabelecimentos de alojamento local (RJAL), instituindo um corpo de normas privativas de um segmento da oferta de alojamento turístico, que vem registando fortíssimas taxas de crescimento. 

Como veremos, boa parte da normação agora aprovada, não tem carácter inovador, mantendo-se as tipologias existentes e o acesso ao mercado assente no simplificador mecanismo de mera comunicação prévia, inspirado na Directiva Bolkestein. Não se compreende, porém, a isenção de taxa da mera comunicação prévia (art.º 6º/6), um privilégio dos estabelecimentos de alojamento local, contrastando com os empreendimentos turísticos, agências de viagens e empresas de animação. E de uma desprotecção do consumidor, se atentarmos na imposição de um fundo de garantia no sector das agências de  viagens, enquanto no alojamento local não existe qualquer mecanismo.


2) A GÉNESE DO ALOJAMENTO LOCAL

A figura do alojamento local foi criada, em 2008, pelo RJET (Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março)  para integrar duas realidades. Em primeiro lugar, o alojamento paralelo, clandestino ou não classificado, há muito existente no terreno, com grande dimensão no nosso maior destino turístico (num estudo da Universidade do Algarve, já em 1998 existiam na região 312 493 camas paralelas, enquanto o alojamento classificado registava apenas 85 100 camas). Em segundo lugar, enquadrar tipologias que o RJET extinguiu (pensões, motéis e estalagens), que não reunissem condições para serem consideradas empreendimentos turísticos.

A maior facilidade associada ao processo de simples registo nas câmaras municipais - em vez do mais exigente licenciamento inerente aos empreendimentos turísticos - e o advento de novas formas de alojamento extra-hoteleiro, designadamente os hostels e os apartamentos nas cidades, levaram a uma grande notoriedade da figura. O aumento descontrolado do fenómeno imobiliário que antes da crise se tinha servido dos empreendimentos turísticos, desloca-se para os apartamentos nos centros das grandes cidades, sobretudo em Lisboa, com a ajuda de poderosas ferramentas digitais b2b ou b2c.


3) O ERRO DA AUTONOMIZAÇÃO DO ALOJAMENTO EXTRA-HOTELEIRO

Vários caminhos poderiam ter sido escolhidos pelo legislador. Aparentemente, como procurarei demonstrar, a escolha não terá sido a mais feliz. Na última alteração ao RJET (Decreto-Lei nº 15/2014, de 23 de Janeiro) criou-se a possibilidade de o alojamento local ser independente dos empreendimentos turísticos e não a ele subordinado, instituindo-se agora um regime pouco exigente no que respeita aos requisitos. 

Ou seja, ao primitivo erro da inédita autonomização do alojamento extra-hoteleiro,  soma-se o da pouca exigência da disciplina do alojamento local. 

Atentando mesmo, como veremos, contra o direito de propriedade dos condóminos ou da vizinhança, ao prescindir da sua autorização para a instalação de um estabelecimento de alojamento turístico, alterando, assim, o uso do imóvel duma utilização habitacional para uma utilização turística.  


4) DEFINIÇÃO LEGAL E O AFASTAMENTO DA OPÇÃO FACILITISTA QUANDO O ESTABELECIMENTO REÚNA CONDIÇÕES PARA EMPREENDIMENTO TURÍSTICO 

Relativamente à noção legal de estabelecimentos de alojamento local, não surgem grandes alterações. Tal como os empreendimentos turísticos, prestam serviços de alojamento temporário a turistas, fazendo-o com carácter remunerado (art.º 2º/1).

De aplaudir a inovadora solução do nº 2 do art.º 2º que pretende obstar  à utilização da  figura do alojamento local  por razões de mero facilitismo, associadas ao simples registo na sequência de mera comunicação prévia, enquanto os empreendimentos turísticos têm  de cumprir um exigente  conjunto de requisitos para o licenciamento. Esta proibição da exploração na modalidade de alojamento local de estabelecimentos que reúnam as os requisitos para serem considerados empreendimentos turísticos, constitui uma norma com grandes potencialidades, a qual vai depender depender da forma como for aplicada, de molde a que não passe de letra morta. 

A solução era destacadamente referida no preâmbulo duma das versões iniciais dos trabalhos preparatórios do RJAL: 

“Assim, o explorador de um estabelecimento terá de optar: ou pretende explorar um empreendimento turístico, e cumpre com os requisitos desses empreendimentos, ou pretende explorar um alojamento local, e nesse caso não poderá instalar e explorar um estabelecimento que reúne os requisitos dos empreendimentos turísticos, assim impedindo a existência de empreendimentos turísticos trasvestidos de estabelecimentos de alojamento local.”.

A circunstância de uma parte do sector associativo ser crítico da solução, justificará a omissão no preâmbulo do RJAL.

No caso de um hostel, em que a unidade de alojamento é caracteristicamente partilhada por diferentes utentes (camarata ou dormitório), o problema fica logo resolvido pelo nº 1 do art.º 7º do RJET que exige um “espaço delimitado destinado ao uso exclusivo e privativo do utente do empreendimento turístico.”.


(Continua)

Carlos Torres, Turisver on-line de 1 de Setembro de 2014