luni, 2 decembrie 2013

Brochura de operador austríaco e o surpreendente caso Marriott



"A decisão do tribunal americano no caso Marriott é revolucionária quanto à responsabilidade das grandes marcas hoteleiras em contratos de franchising nos países de risco e, a consolidar-se, estender-se-á certamente a outros aspectos."


1) Tribunal europeu clarifica o conceito de prática comercial enganosa no caso duma brochura contendo hotéis exclusivos

O Acórdão do TJUE, de 19 de Setembro de 2013, no processo 435/11, decorre do litígio entre duas agências de viagens com sede em Innsbruk (Áustria), a CHS Tour Services GmbH
contra
a Team4 Travel GmbH, as quais concorrem na organização e venda de cursos de esqui e férias de inverno na Áustria para grupos de crianças em idade escolar do Reino Unido e respeita à Directiva 2005/29/CE sobre práticas comerciais desleais.
Na sua brochura de 2012, a Team4 Travel qualificou alguns hotéis de «exclusivos», o que transmitia aos consumidores a ideia de que nas datas indicadas não podiam ser disponibilizados por outro operador turístico.
Com efeito,  a sua directora tinha a garantia dos estabelecimentos hoteleiros que não havia sido feita nenhuma reserva por parte de outros operadores turísticos e os contratos incluíam uma cláusula segundo a qual o número de quartos atribuído seria mantido incondicionalmente à sua disposição, protegendo-se essa exclusividade com uma cláusula penal.
Sucede que as respectivas entidades exploradoras, violando os seus deveres contratuais para com a Team4, permitiram que também a CHS reservasse camas nos mesmos estabelecimentos hoteleiros em  igual período.
A CHS alegou que a exclusividade referida na brochura da Team4  constituía uma prática comercial desleal e através duma providência cautelar requereu que suprimisse tal referência. A Team4 sustentou que agiu com a diligência profissional exigida na elaboração suas brochuras, pois até a data em que foram enviadas não tinha tido conhecimento dos contratos celebrados entre a CHS e os hotéis em questão e, por essa razão, não incorria em qualquer prática comercial desleal.

Sucessivamente dois tribunais austríacos não acolherem a posição da CHS, invocando o nº 2 do art.º 5º da Directiva 2005/29/CE em que a prática comercial é desleal se ocorrerem dois requisitos cumulativos:
1º) For contrária às exigências relativas à diligência profissional; e
2º) Distorcer ou for susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afecta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores. 
Quando o processo subiu ao supremo tribunal austríaco colocou-se a questão de os artigos 6.°/1  e 8.° da referida Directiva aludirem apenas ao 2º requisito.
O TJUE considerou que no caso de uma prática comercial preencher todos os critérios enunciados no art.º 6º/1 para ser qualificada de prática enganosa para o consumidor, não é necessário verificar se essa prática é igualmente contrária às exigências da diligência profissional [art.º 5º/2/a)] para que possa validamente ser considerada desleal.



2) O caso Marriott: responsabilidade do franquiador por actos de terrorismo ocorridos no estrangeiro nas imediações do hotel franquiado

A acção foi proposta nos EUA, em Maryland, onde a Marriott internacional (franquiador) tem a sua sede, na sequência de um atentado terrorista no Paquistão, em 20 de Setembro de 2008 (conhecido pelo Pakistan 9/11), no Marriott Hotel Islamabad, quando um camião carregado de explosivos tentou sem  sucesso ultrapassar a barreira de segurança. O motorista suicida procurou então fazer explodir o veículo provocando um pequeno incêndio na cabine. A segurança do hotel pensando tratar-se de um acidente de viação, procurou apagar  o fogo com um extintor, não avisando os hóspedes do perigo, sendo que, decorrido pouco tempo, o veículo acabou por explodir matando 56 pessoas e ferindo 266.

Albert DiFederico foi uma das vítimas, tendo a viúva Mary DiFederico e os três filhos (Nicholas, Erick e Greg)  optado por acionar o franquiador Marriott Internacional em Maryland e não a empresa franquiada no Paquistão.

A Marriott alicerçou  a sua defesa nos  argumentos clássicos do franquiador. O evento ocorreu no estrangeiro (Paquistão), num local da exclusiva responsabilidade do hotel franquiado (uma empresa paquistanesa) e  de harmonia com uma regra estruturante do contrato de franchising o franquiador não pode intervir na gestão do hotel franquiado.

O tribunal de primeira instância de Maryland indeferiu o pedido invocando a teoria do forum non conveniens segundo a qual os tribunais não devem exercer a jurisdição relativamente a matérias em que outros tribunais se encontrem melhor posicionados. Para julgar a acção decorrente de um homicídio, o tribunal do Paquistão era o mais adequado, pois nesse território se encontravam os diferentes meios probatórios, designadamente as testemunhas. Sucede que os autores já não podiam acionar o hotel franquiado no Paquistão por ter entretanto decorrido o respectivo prazo (statute of limitations, o equivalente à prescrição nos sistemas continentais).

No entanto, surpreendentemente o US Fourth Circuit Court of Appeals num acórdão publicado em 1 de Maio de 2103, alterou aquela decisão considerando competente o tribunal de Maryland bem como a legitimidade processual passiva, ou seja, a Marriott Internacional figurar na posição de demandada, afirmando constituir “uma perversão da justiça forçar uma viúva e os seus filhos a colocarem-se numa situação de elevado risco que conduziu à morte de um membro da família”.

O processo ainda não terminou, mas esta decisão do US Fourth Circuit Court of Appeals é revolucionária no plano da responsabilidade do franquiador e a consolidar-se estender-se-á com elevada probabilidade a outros aspectos.

Carlos Torres, Publituris de 29 de Novembro de 2013