"A decisão do tribunal americano no caso Marriott é
revolucionária quanto à responsabilidade das grandes marcas hoteleiras em
contratos de franchising nos países de risco e, a consolidar-se, estender-se-á certamente
a outros aspectos."
1) Tribunal
europeu clarifica o conceito de prática comercial enganosa no caso duma brochura
contendo hotéis exclusivos
O Acórdão do TJUE, de 19 de Setembro de 2013, no
processo 435/11, decorre do litígio entre duas agências de viagens com sede em
Innsbruk (Áustria), a CHS Tour Services GmbH
contra
a Team4 Travel GmbH, as quais concorrem na
organização e venda de cursos de esqui e férias de inverno na Áustria para
grupos de crianças em idade escolar do Reino Unido e respeita à Directiva
2005/29/CE sobre práticas comerciais
desleais.
Na sua brochura de 2012, a Team4 Travel qualificou
alguns hotéis de «exclusivos», o que transmitia aos consumidores a ideia de que
nas datas indicadas não podiam ser disponibilizados por outro operador
turístico.
Com efeito, a sua directora tinha a garantia dos
estabelecimentos hoteleiros que não havia sido feita nenhuma reserva por parte
de outros operadores turísticos e os contratos incluíam uma cláusula segundo a
qual o número de quartos atribuído seria mantido incondicionalmente à sua
disposição, protegendo-se essa exclusividade com uma cláusula penal.
Sucede que as respectivas entidades exploradoras,
violando os seus deveres contratuais para com a Team4, permitiram que também a CHS
reservasse camas nos mesmos estabelecimentos hoteleiros em igual período.
A CHS alegou que a exclusividade referida na
brochura da Team4 constituía uma prática comercial desleal e através duma
providência cautelar requereu que suprimisse tal referência. A Team4 sustentou
que agiu com a diligência profissional exigida na elaboração suas brochuras,
pois até a data em que foram enviadas não tinha tido conhecimento dos contratos
celebrados entre a CHS e os hotéis em questão e, por essa razão, não incorria
em qualquer prática comercial desleal.
Sucessivamente dois tribunais austríacos não
acolherem a posição da CHS, invocando o nº 2 do art.º 5º da Directiva 2005/29/CE em que a prática comercial é desleal se ocorrerem dois
requisitos cumulativos:
1º) For
contrária às exigências relativas à diligência profissional; e
2º) Distorcer ou for susceptível de
distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um
produto, do consumidor médio a que se destina ou que afecta, ou do membro médio
de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de
consumidores.
Quando o processo subiu ao supremo tribunal austríaco colocou-se a questão de os artigos 6.°/1
e 8.° da referida Directiva aludirem apenas ao 2º requisito.
O TJUE considerou que
no caso de uma prática comercial preencher todos os critérios enunciados no art.º
6º/1 para ser qualificada de prática enganosa para o consumidor, não é
necessário verificar se essa prática é igualmente contrária às exigências da
diligência profissional [art.º 5º/2/a)] para que possa validamente ser
considerada desleal.
2) O caso Marriott:
responsabilidade do franquiador por actos de terrorismo ocorridos no
estrangeiro nas imediações do hotel franquiado
A acção
foi proposta nos EUA, em Maryland, onde a Marriott internacional (franquiador) tem
a sua sede, na sequência de um atentado terrorista no Paquistão, em 20 de
Setembro de 2008 (conhecido pelo Pakistan 9/11), no Marriott Hotel Islamabad, quando um camião carregado de explosivos
tentou sem sucesso ultrapassar a
barreira de segurança. O motorista suicida procurou então fazer explodir o
veículo provocando um pequeno incêndio na cabine. A segurança do hotel pensando tratar-se de um acidente de viação, procurou
apagar o fogo com um extintor, não
avisando os hóspedes do perigo, sendo que, decorrido pouco tempo, o veículo
acabou por explodir matando 56 pessoas e ferindo 266.
Albert DiFederico foi uma das vítimas, tendo a viúva Mary DiFederico e os três filhos (Nicholas, Erick e Greg)
optado
por acionar o franquiador Marriott Internacional em Maryland e não a empresa franquiada
no Paquistão.
A Marriott alicerçou a sua defesa nos argumentos clássicos do franquiador. O evento
ocorreu no estrangeiro (Paquistão), num local da exclusiva responsabilidade do
hotel franquiado (uma empresa paquistanesa) e de harmonia com uma regra estruturante do
contrato de franchising o franquiador
não pode intervir na gestão do hotel franquiado.
O tribunal de primeira instância de Maryland indeferiu o
pedido invocando a teoria do forum non
conveniens segundo a qual os tribunais não devem exercer a jurisdição
relativamente a matérias em que outros tribunais se encontrem melhor
posicionados. Para julgar a acção decorrente de um homicídio, o tribunal do Paquistão
era o mais adequado, pois nesse território se encontravam os diferentes meios
probatórios, designadamente as testemunhas. Sucede que os autores já não podiam
acionar o hotel franquiado no Paquistão por ter entretanto decorrido o
respectivo prazo (statute of limitations,
o equivalente à prescrição nos sistemas continentais).
No entanto, surpreendentemente o US Fourth Circuit Court
of Appeals num acórdão publicado em 1
de Maio de 2103, alterou aquela decisão considerando competente o tribunal de
Maryland bem como a legitimidade processual passiva, ou seja, a Marriott Internacional
figurar na posição de demandada, afirmando constituir “uma perversão da justiça forçar uma viúva e os seus filhos a colocarem-se
numa situação de elevado risco que conduziu à morte de um membro da família”.
O processo ainda não terminou, mas esta decisão do US Fourth Circuit Court
of Appeals é revolucionária no plano da responsabilidade
do franquiador e a consolidar-se estender-se-á com elevada probabilidade a
outros aspectos.
Carlos Torres, Publituris de 29
de Novembro de 2013