Em 16 de Setembro de 2013, a Commission d’Examen des Pratiques Commerciales (CEPC) da Assembleia Nacional francesa, apreciou a queixa apresentada por
associações da hotelaria relativamente à violação da lei da concorrência
em contratos celebrados entre hoteleiros e empresas que exploram os principais
sites de reserva de hotel, vulgarmente designados por OTAs (online travel agents), como a Booking
e Expedia.
Enfrentando o conhecido expediente dissuasor de conflitos em que o
contraente mais forte remete a resolução dos litígios para um distante tribunal,
considerou a CEPC que apesar de nos contratos figurarem tais cláusulas
designando não a legislação francesa mas um direito estrangeiro e remetendo
inclusivamente a resolução dos conflitos para um tribunal estrangeiro, eram
aplicáveis as normas francesas sobre práticas restritivas da concorrência.
1)
Cláusulas de paridade
Os contratos analisados pela CEPC contêm diferentes cláusulas em que o hoteleiro
fica obrigado a garantir que o site de reservas beneficia de tarifas ou
condições iguais ou mais favoráveis às tarifas e condições disponíveis junto do
hoteleiro (diretamente ou através de seu web site ou call center) bem como as
de qualquer concorrente (paridade de tarifas e de condições). Complementarmente
os quartos disponíveis para reserva no site da OTA serão de idêntica qualidade
aos fornecidos a qualquer concorrente, estendendo-se essa vinculação, por
vezes, ao próprio hotel (paridade de disponibilidade).
Ora, uma das práticas
restritivas da concorrência consiste
precisamente em «bénéficier
automatiquement des conditions plus favorables consenties aux entreprises concurrentes
par le cocontractant“, estatuindo-se a nulidade destas cláusulas de paridade, ou seja, do
alinhamento automático relativamente a tarifas ou outras condições mais
favoráveis que sejam directamente concedidas
pelo hotel aos seus clientes ou a concorrentes
da OTA.
Estas cláusulas foram também analisadas pela CEPC em razão do forte desequilíbrio que introduzem na relação
contratual, ou seja, de beneficiarem exclusivamente uma das partes.
2) Cláusulas limitando o hoteleiro na procura de clientes
directos
De harmonia com o princípio da
livre concorrência , o hoteleiro, como qualquer empresa tem o direito de procurar clientes, utilizando
na nessa angariação os meios que entenda mais adequados desde que lícitos.
No entanto, várias cláusulas,
isolada ou em conjunto, dificultam significativamente a liberdade do hoteleiro para
angariar directamente clientes sem que exista qualquer reciprocidade por parte
da OTA, contrapartida ou até justificação.
As cláusulas de paridade,
disponibilidade e outras condições concebidas para alinhar automaticamente a posição
favorável de que a OTA beneficia quando o hotel procede à comercialização
directa dos seus serviços e não tem de pagar comissão, não prevêm uma redução
da remuneração a pagar a esta última quando actua como um simples intermediária,
nem qualquer outra contrapartida.
Da mesma forma, a disposição
que proíbe o hoteleiro de entrar em contacto directo com qualquer cliente
obtido através das centrais de reserva e, mesmo em alguns casos, apesar de ser
o cliente a tomar a iniciativa, apresenta-se claramente desfavorável ao hotel:
não existe qualquer reciprocidade relativamente aos clientes anteriores do
hotel que não ficam submetidos a qualquer regime específico se vierem a
reservar por intermédio da OTA.
Quando a
OTA actua como um agente de viagens, através da aquisição de
allotements, revendendo depois os quartos aos clientes, essa proibição de
entrar mais tarde em contacto com eles configura-se como uma cláusula de não-
concorrência, devendo por essa razão ser justificada por interesse legítimo e
proporcional.
3) Outros aspectos desta importante decisão
Diversas
cláusulas contratuais submetem o hoteleiro a condições de pagamento
desfavoráveis, reduzem acentuadamente a responsabilidade da OTA, deixando a
execução ou a vigência do contrato ao seu livre arbítrio, as quais são desprovidas
de qualquer reciprocidade ou contrapartidas.
Figurando em contratos-tipo iguais para todos os hotéis, sem espaço para
a negociação, estas disposições criam um desequilíbrio significativo entre os
direitos e obrigações das partes. Além disso, a possibilidade estabelecida em
favor da OTA de modificar o contrato, sob pena de cancelá-lo, é ilegal.
Estas
matérias começam a entrar na ordem do dia, mostrando que associações mais
aguerridas ou até mesmo simples grupos de cidadãos organizados podem inflectir
situações de grande desequilíbrio contratual, aproveitando as enormes
potencialidades do direito europeu da concorrência. Espera-se que outros
desequilíbrios contratuais possam ser corrigidos como sucede na flagrante
situação de abuso posição dominante que marca a relação da IATA com as agências
de viagens.
Carlos
Torres, Turisver nº 806, de 5 de Outubro de 2013, pág. 5