marți, 27 mai 2014

O regime jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração (RJACSR)



"A restauração e bebidas goza de autonomia legislativa desde 1997 até à actualidade, não fazendo qualquer sentido diluir esse regime num extenso e complexo diploma, a aprovar brevemente pelo Governo, abarcando realidades tão diferentes como a pornografia, os piercings ou os funerais."

Nas próximas semanas o Governo aprovará o RJACSR, um diploma legal compreendendo um vasto conjunto de matérias, aparentemente sem ligação entre si, no qual não deveria incluir-se a restauração e bebidas.

Com efeito, desde 1997 que a legislação da restauração e bebidas tem mantido um corpo de normas próprio, que se autonomizou dos empreendimentos turísticos, como sucedia na Lei Hoteleira (Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro) onde figuravam os estabelecimentos similares dos hoteleiros, os quais  “qualquer que seja a sua denominação, os destinados a proporcionar ao público, mediante remuneração, alimentos ou bebidas para serem consumidos no próprio estabelecimento” (art.º 13º).
A Lei da Restauração e Bebidas de 1997  (Decreto-Lei nº 168/97, de 4 de Julho) corresponde, assim, à autonomização de um corpo de normas que saem da disciplina comum do turismo, autonomia que se manteve dez anos mais tarde quando foi publicada uma nova lei do sector, o Decreto-Lei nº 234/2007, de 19 de Junho.
Esse modelo conservou-se, no essencial, em 2011 quando se transpôs a Directiva Bolkestein mais pormenorizadamente para o sector da restauração e bebidas, apesar de o Decreto-Lei nº 48/2011, de 1 de Abril disciplinar outras matérias como o regime da ocupação do espaço público, mensagens publicitárias de natureza comercial, venda de bilhetes para espectáculos públicos, leilões, horário de funcionamento e cadastro comercial.
Na legislação de 2011 consagra-se que a instalação de um estabelecimento de restauração ou de bebidas está sujeita a uma mera comunicação prévia (art.º 4º/1), permitindo que após a sua realização num balcão electrónico o interessado proceda imediatamente à abertura. Recorrendo-se à figura da dispensa de requisitos (art.º 5º) – o restaurante não permite instalações sanitárias com separação por sexos -  ou nos serviços com carácter não sedentário (art.º 6º) – roulottes em espaços públicos - terá lugar a comunicação prévia com prazo, havendo então que aguardar decisão da autoridade administrativa ou pelo decurso do prazo de 20 dias. O balcão do empreendedor (art.º 3º), no qual são efectuadas as comunicações, assume um papel central neste ambiente digital misto do programa Simplex e Directiva dos Serviços.
No entanto, em 2011, salvaguardou-se a autonomia legislativa do sector da restauração e bebidas, remetendo-se a definição dos requisitos das instalações, funcionamento e regime de classificação para um diploma autónomo (art.º 40º). Ou seja, fora os aspectos de acesso ao mercado, o essencial da disciplina da restauração e bebidas figura na Portaria nº 215/2011, de 31 de Maio, mantendo-se, assim, pela terceira vez – 1997, 2007 e 2011 - a  autonomia legislativa do sector.
Com o RJACSR a restauração e bebidas é diluída nas seguintes actividades:

- Estabelecimentos de comércio e de armazéns;

- Estabelecimentos de comércio e de armazéns de alimentos para animais identificados na lista IV do anexo I;

- Comércio de produtos de conteúdo pornográfico;

- Exploração de mercados abastecedores;

- Exploração de mercados municipais;

- Comércio não sedentário;

- Exploração de grandes superfícies comerciais e de conjuntos comerciais;

- Exploração de oficinas de manutenção e reparação de veículos automóveis, motociclos e ciclomotores;

- Exploração de lavandarias;

- Exploração de centros de bronzeamento artificial;

- Exploração de estabelecimentos de colocação de piercings e tatuagens;

- Atividade funerária.


O acesso ao mercado continuará no RJACSR a processar-se através do expedito mecanismo da mera comunicação prévia, pegando-se nas normas da restauração e bebidas diluindo-as, sem as alterar, num vasto conjunto de matérias sem conexão entre si (artigos 122º a 139º).
Em qualquer Estado de Direito a estabilidade legislativa é um princípio a respeitar, sobretudo quando estamos perante um corpo de normas consensual aprovadas há precisamente 3 anos.  A introdução das normas da restauração e bebidas no projectado RJACSR viola tal princípio e constitui uma manifesta falta de respeito para com o sector que vê a sua disciplina diluída num diploma que compreende actividades sem qualquer ligação entre si, eliminando-se a autonomia legislativa reconhecida ao sector desde 1997.

A subida vertiginosa do preço dos hotéis para a final da Champions
De harmonia com várias notícias, designadamente do Expresso, a disponibilidade de hotéis em Lisboa para a noite de 24 de Maio é muito baixa, encontrando-se os poucos hotéis ainda disponíveis a praticar preços muito superiores ao habitual - de 900 € (referindo-se uma residencial) até 7000 € por noite - quando em Abril eram de apenas 109€ segundo responsáveis da Trivago.
Desde a Portaria nº 1219/93, de 19 de Novembro, que os serviços prestados nos estabelecimentos hoteleiros se encontram sujeitos ao regime de preços livres, ou seja, são livremente fixados pelas entidades exploradoras, em regra entre um valor mínimo e um valor máximo de molde a ajustarem-se à acentuada variabilidade diária.
Um dos deveres dos fornecedores de produtos e serviços turísticos é de apresentar preços e tarifas ao público de forma visível, clara e objectiva (artº 20º, al. b) da Lei de Bases do Turismo).  No RJET, o primeiro dever da entidade exploradora respeita à  publicitação dos  “preços de tabela dos serviços de alojamento oferecidos, mantê-los sempre à disposição dos utentes e, relativamente aos demais serviços, disponibilizar aos utentes os respetivos preços” [art.º 46º al. a)]

Sucede que a forte subida de preços por ocasião de um evento desportivo pode constituir um crime de especulação de preços previsto no artigo 35.º do Decreto-lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro.  Pela alínea b), ao alterar-se, com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços decorrentes do regular exercício da actividade. Ou pela alínea c), prestando serviços por preços superiores ao que conste de listas elaboradas pela entidade prestadora do serviço.

O bem jurídico tutelado é a estabilidade dos preços, incriminando-se condutas lesivas de interesses próprios do sector económico e do regular funcionamento da economia. Daí que surjam com maior relevo os interesses da economia turística e os danos para o destino turístico associados a este tipo de práticas e só colateralmente a protecção dos consumidores.

Carlos Torres, Turisver nº 816 (20 de Maio de 2014), pág. 10