"A proposta falha num aspecto
essencial: onde exista uma oferta de empreendimentos turísticos suficiente ou excedentária
deve travar-se o alojamento local. Em contrapartida, nos meios rurais, pode ser
a única forma de estimular a oferta de alojamento. Finalidades meramente
habitacionais devem ser excluídas desta figura criada em 2008 para integrar o
alojamento clandestino, paralelo ou não classificado."
A proposta de um novo regime jurídico do alojamento local, apresentada pela
SET, em Abril de 2014, vem na sequência
da recente revisão do RJET, seguindo-se uma breve panorâmica dessas alterações.
Na noção de estabelecimento de alojamento local
refere-se expressamente o carácter
ocasional ou regular dos serviços de alojamento temporário e estabelece-se,
de forma inovadora, a proibição de opção
facilitista por esta modalidade quando se verifiquem os requisitos para
instalar um empreendimento turístico (art.º 2º). Se estão reunidos os
requisitos para a instalação de um hotel, ainda que de uma estrela, a maior facilidade decorrente de um simples
processo de registo do alojamento local não pode prevalecer impedindo-se,
assim, “a existência de empreendimentos turísticos
trasvestidos de estabelecimentos de alojamento local” (preâmbulo).
Mantêm-se no art.º 3º as três tipologias do alojamento local: moradia, apartamento e estabelecimento
de hospedagem constantes do RJET e da Portaria nº 517/2008, de 25 de Junho.
Relativamente ao apartamento, que até agora equivalia a uma fracção autónoma,
poderão doravante existir tantos quanto o número de divisões desta última.
O hostel não é autonomizado,
constituindo uma simples denominação dos estabelecimentos
de hospedagem, acrescendo os requisitos previstos no art.º 15º.
Ocorre um excessivo alargamento do
alojamento local, correspondendo à prestação de serviços de alojamento –
não se referindo o carácter temporário
nem se restringindo ao alojamento para turistas - por pessoas singulares ou
colectivas (art.º 4º/1), estabelecendo-se duas
presunções relativamente à existência, funcionamento ou intermediação desta
modalidade autónoma num imóvel ou numa fracção.
A primeira respeita à divulgação do
estabelecimento, ou seja à sua publicitação, disponibilização ou
intermediação de um imóvel ou fracção por qualquer forma, entidade ou meio como
alojamento para turistas ou alojamento temporário, enumerando-se
exemplificativamente agências de viagens [art.º 4º/2/a)]. Uma informação na
montra de um café, um anúncio num site ou num jornal de um quarto para quem
visita a localidade ou nela vem trabalhar ou estudar conduz à formação da
presunção.
A segunda presunção [art.º 4º/2/b)] assenta na existência de um espaço mobilado e equipado, no qual para
além da dormida por períodos inferiores a 30 dias acrescem serviços complementares,
exemplificando-se com a limpeza ou a recepção. Norma muito semelhante à
consagrada no art.º 43º/2 RJET é, no entanto, mais abrangente porquanto a
limpeza ou a recepção surgem agora com um carácter alternativo, bastando,
assim, que se verifique uma delas.
A instalação num edifício constituído em propriedade horizontal deve observar o título constitutivo ou o regulamento
de condomínio que podem proibir, limitar ou restringir a prestação de
serviços de alojamento (art.º 4º/3). Deve, porém, preferir-se uma solução mais
consentânea com os direitos dos condóminos, considerando-se que existe alteração do uso sempre que no título constitutivo
esteja assinalada a essas fracções uma finalidade habitacional.
À semelhança da entidade exploradora e do responsável operacional dos
empreendimentos turísticos, institui-se a figura
do titular da exploração do alojamento local (art.º 5º), sobre o qual recai uma responsabilidade objectiva –
independentemente da existência de culpa - pela reparação dos danos
patrimoniais ou morais causados aos destinatários dos serviços ou a terceiros,
designadamente aos condóminos ou ao locador. Complementarmente, institui-se um termo de responsabilidade.
Na linha dos registos públicos já existentes para as agências de viagens
(RNAVT), empresas de animação turística (RNAAT) e empreendimentos turísticos
(RNET), cria-se um registo nacional
alojamento local (RNAL) mantido pelo Turismo de Portugal I.P., cuja
inscrição mediante simples comunicação
prévia é absolutamente indispensável para o exercício da actividade de
alojamento (art.º 6º).
A autoridade turística nacional atribui um número de registo do estabelecimento de alojamento local que
constitui o título de válido de abertura
ao público (art.º 7º), sendo que a verificação
dos requisitos é de instalação é da competência das câmaras municipais não
se estabelecendo prazos apertados mas uma simples indicação de que uma primeira vistoria seja realizada nos 60
dias subsequentes à atribuição do número de registo (art.º 8º), sancionando-se
o incumprimento dos requisitos com o cancelamento
do registo pelo presidente da câmara municipal (art.º 10º).
Estabelecem-se limites de capacidade
– 15 de unidades de alojamento – exceptuando-se os hostels (art.º 12º), alguns
requisitos básicos como a existência de água, esgotos e privacidade das
instalações sanitárias, evacuação de fumos e gases nas cozinhas e permanente
higiene e limpeza (art.º 13º), bem como requisitos de segurança contra riscos
de incêndio atenuados nos estabelecimentos com capacidade inferior a 10
pessoas (art.º 14º).
Os hostels surgem caracterizados
por um número mínimo de quatro de
unidades de alojamento em dormitório (art.º 15º), podendo, assim, dispor de
quartos ou suites.
Na linha das recentes alterações ao RJET, podem instalar-se
estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços (art.º 16º), sendo
obrigatória a afixação de placa identificativa junto à entrada principal (art.º
18º), a existência do livro de reclamações (art.º 20º) e, exceptuando a matéria,
urbanística a competência para a fiscalização é atribuída à ASAE (art.º 21º).
Carlos Torres, Dirhotel nº 14, Abril/Junho 2014, pág. 14