miercuri, 19 martie 2014

As recentes alterações ao RJET


Teria sido mais profícuo concentrar os esforços na regulamentação do alojamento local e não autonomizá-lo, pondo-o em pé de igualdade com a legislação dos empreendimentos turísticos. Aparentemente, o Código do Turismo, uma das mais significativas medidas do Programa do Governo, no qual estas alterações poderiam ser inseridas, já não verá a luz do dia durante a actual governação.





O Decreto-Lei nº 15/2014, de 23 de Janeiro, introduziu um conjunto de alterações ao Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos (RJET), aprovado pelo Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março. Comparativamente às alterações legislativas de 2009 (Decreto-Lei nº 228/2009, de 14 de Setembro), são bem mais extensas, alterando-se 42 artigos e revogando-se vários números, alíneas ou artigos.  A estabilidade da legislação do turismo continua, assim,  um valor ausente.

O alojamento local, uma das matérias de maior actualidade mercê do significativo aumento do alojamento extra-hoteleiro que, pela menor exigência (simples registo nas câmaras municipais em vez do licenciamento), vem utilizando esta figura instituída em 2008 pelo RJET,  contempla várias alterações formais (arts. 2º e 3º) e algumas de fundo.

A primeira alteração de fundo respeita à maior dignidade formal do tratamento do alojamento local: em vez de um conjunto de normas de natureza regulamentar – Portaria nº 517/2008, de 25.6 -  será no futuro disciplinado por decreto-lei (art.º 2º/3). O RJET e a disciplina do alojamento local passam a figurar na hierarquia das leis no mesmo plano, deixando de existir a relação de subordinação, pormenorização e desenvolvimento entre a lei (art.º 3º RJET) e o regulamento (Pt nº 517/2008). O poder regulamentar (decreto-regulamentar, resolução do Conselho de Ministros, portaria, despacho normativo) é um poder subordinado ao poder legislativo (lei e decreto-lei). Entre lei e regulamento estabelece-se uma hierarquia na qual a primeira ocupa uma posição sobranceira, subordinando-se a segundo à primeira.  Posição de subordinação que deveria manter-se atendendo ao boom do alojamento local nestes últimos anos, sabendo-se que nalgumas cidades estes estabelecimentos já superam numericamente o alojamento classificado. A opção pode vir a revelar-se contraproducente, normalizando e até estimulando uma realidade que não pára de crescer – num país com taxas de ocupação baixas e insuficiente rendimento por quarto disponível  -  quando a figura do alojamento local deveria servir fundamentalmente para trazer para as malhas de legalidade a oferta de alojamento clandestino, paralelo ou não classificado há muito existente no terreno. Não se legaliza o que existe há vinte ou trinta anos e facilita-se significativamente a criação de novas unidades à margem da legislação dos empreendimentos turísticos.

Outra alteração respeita à placa de classificação, cuja afixação no exterior, junto ao acesso principal tinha carácter facultativo (art.º 9º Pt nº 517/2008) e passa a obrigatório (art.º 3º/8). Por fim, a fiscalização dos estabelecimentos de alojamento local  é agora cometida à ASAE [art.º 70º/1/a)].

O turismo de natureza é eliminado enquanto tipologia [art.º 4º/1/h] embora se mantenha intacta a sua disciplina, desaparecem todos os requisitos de natureza turística relativos à instalação dos estabelecimentos comerciais ou de prestação de serviços (art. 10º), bem como as exigências relativas aos vários edifícios em que se pode distribuir um estabelecimento hoteleiro (art.º 12º/3).

Várias  tipologias apresentam requisitos menos exigentes. É o caso dos aldeamentos turísticos em que foram eliminados os requisitos gerais de instalação, das infra-estruturas e equipamentos. Nos apartamentos turísticos são suprimidos aspectos como o conjunto harmónico e articulado entre os diferentes edifícios e a expressão arquitectónica e características funcionais coerentes do espaço onde se inserem. Nos conjuntos turísticos, eliminada a obrigatoriedade de um estabelecimento hoteleiro de quatro ou cinco estrelas, o mesmo sucedendo com o equipamento de animação autónomo e o estabelecimento de restauração, podendo dois hotéis de uma estrela criarem doravante um conjunto turístico. Finalmente, com a revogação do nº 8 do art.º 18º, as casas de campo, agro-turismo e turismo de aldeia – em linha com o turismo de habitação - deixam de ter um número máximo de 15 unidades de alojamento.
Apesar de a legislação urbanística (RJUE) determinar a forma mais simplificada, ou seja, a comunicação prévia - será o caso da obra de reconstrução do edifício destinado a um hotel - pode o promotor do empreendimento turístico optar pela forma mais exigente do licenciamento (art.º 23º/2).
Uma das medidas mais emblemáticas é a isenção da taxa da auditoria de classificação quando realizada pelo Turismo de Portugal (art.º 36º/3 e revogação do art.º 37º). Recorde-se, no entanto, que medida semelhante foi tomada pelo anterior executivo sem alterar o RJET.
A classificação dos empreendimentos turísticos passa a ser revista de 5 em 5 anos, não a requerimento do interessado mas oficiosamente, ou seja, por iniciativa do órgão competente, a autoridade turística nacional ou a câmara municipal consoante as tipologias (art.º 38º).
As coordenadas geográficas do empreendimento figuram a partir de agora no RNET (art.º 40º/1) e, apesar de se manter a regra de uma única entidade exploradora (art.º 44º/ 1), no caso do restaurante do hotel ter uma diferente entidade exploradora, é esta última que doravante responde pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares (nº 5).
Sem intuito exaustivo, breves referências por compreensíveis razões de espaço à formulação menos exigente da publicitação dos preços [art.º 46º/a)], à infeliz solução do director de hotel (art.º 47º/2) e às várias alterações na propriedade plural: basta a deliberação da maioria dos proprietários para o encerramento em determinado período (art.º 49º/2), o Turismo de Portugal já não aprova o título constitutivo (art.º 54º) e é revogado o limite máximo de 20% relativamente à prestação periódica destinada a remunerar a entidade administradora do empreendimento (art.º 56º/5).


Carlos Torres, Turisver nº 813, de 5 de Março de 2014, pág. 8