Teria sido mais profícuo
concentrar os esforços na regulamentação do alojamento local e não
autonomizá-lo, pondo-o em pé de igualdade com a legislação dos empreendimentos
turísticos. Aparentemente, o Código do Turismo, uma das mais significativas
medidas do Programa do Governo, no qual estas alterações poderiam ser
inseridas, já não verá a luz do dia durante a actual governação.
O Decreto-Lei nº 15/2014, de 23 de Janeiro, introduziu um conjunto de alterações ao Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos (RJET), aprovado pelo Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março. Comparativamente às alterações legislativas de 2009 (Decreto-Lei nº 228/2009, de 14 de Setembro), são bem mais extensas, alterando-se 42 artigos e revogando-se vários números, alíneas ou artigos. A estabilidade da legislação do turismo continua, assim, um valor ausente.
O alojamento local, uma das matérias de maior actualidade mercê do
significativo aumento do alojamento extra-hoteleiro que, pela menor exigência
(simples registo nas câmaras municipais em vez do licenciamento), vem
utilizando esta figura instituída em 2008 pelo RJET, contempla várias alterações formais (arts. 2º
e 3º) e algumas de fundo.
A primeira
alteração de fundo respeita à maior dignidade formal do tratamento do
alojamento local: em vez de um conjunto de normas de natureza regulamentar –
Portaria nº 517/2008, de 25.6 - será no
futuro disciplinado por decreto-lei (art.º 2º/3). O RJET e a disciplina do
alojamento local passam a figurar na hierarquia das leis no mesmo plano,
deixando de existir a relação de subordinação, pormenorização e desenvolvimento
entre a lei (art.º 3º RJET) e o regulamento (Pt nº 517/2008). O poder regulamentar (decreto-regulamentar, resolução do Conselho de
Ministros, portaria, despacho normativo) é um poder subordinado ao poder
legislativo (lei e decreto-lei). Entre lei e regulamento estabelece-se uma
hierarquia na qual a primeira ocupa uma posição sobranceira, subordinando-se a
segundo à primeira. Posição de
subordinação que deveria manter-se atendendo ao boom do alojamento local nestes últimos anos, sabendo-se que nalgumas
cidades estes estabelecimentos já superam numericamente o alojamento
classificado. A opção pode vir a revelar-se contraproducente, normalizando e
até estimulando uma realidade que não pára de crescer – num país com taxas de
ocupação baixas e insuficiente rendimento por quarto disponível -
quando a figura do alojamento local deveria servir fundamentalmente para
trazer para as malhas de legalidade a oferta de alojamento clandestino,
paralelo ou não classificado há muito existente no terreno. Não se legaliza o
que existe há vinte ou trinta anos e facilita-se significativamente a criação
de novas unidades à margem da legislação dos empreendimentos turísticos.
Outra alteração respeita à placa de classificação, cuja afixação no
exterior, junto ao acesso principal tinha carácter facultativo (art.º 9º Pt nº
517/2008) e passa a obrigatório (art.º 3º/8). Por fim, a fiscalização dos
estabelecimentos de alojamento local é
agora cometida à ASAE [art.º 70º/1/a)].
O turismo de natureza é eliminado enquanto tipologia [art.º 4º/1/h] embora se mantenha intacta a sua disciplina, desaparecem todos os requisitos de natureza turística relativos à instalação dos estabelecimentos comerciais ou de prestação de serviços (art. 10º), bem como as exigências relativas aos vários edifícios em que se pode distribuir um estabelecimento hoteleiro (art.º 12º/3).
O turismo de natureza é eliminado enquanto tipologia [art.º 4º/1/h] embora se mantenha intacta a sua disciplina, desaparecem todos os requisitos de natureza turística relativos à instalação dos estabelecimentos comerciais ou de prestação de serviços (art. 10º), bem como as exigências relativas aos vários edifícios em que se pode distribuir um estabelecimento hoteleiro (art.º 12º/3).
Várias
tipologias apresentam requisitos menos exigentes. É o caso dos aldeamentos
turísticos em que foram eliminados os requisitos gerais de instalação, das
infra-estruturas e equipamentos. Nos apartamentos turísticos são
suprimidos aspectos como o conjunto harmónico e articulado entre os diferentes
edifícios e a expressão arquitectónica e características funcionais coerentes
do espaço onde se inserem. Nos conjuntos turísticos, eliminada a
obrigatoriedade de um estabelecimento hoteleiro de quatro ou cinco estrelas, o
mesmo sucedendo com o equipamento de animação autónomo e o estabelecimento de
restauração, podendo dois hotéis de uma estrela criarem doravante um conjunto
turístico. Finalmente, com a revogação do nº 8 do art.º 18º, as casas de
campo, agro-turismo e turismo de aldeia – em linha com o turismo de
habitação - deixam de ter um número máximo de 15 unidades de alojamento.
Apesar de a legislação urbanística (RJUE)
determinar a forma mais simplificada, ou seja, a comunicação prévia -
será o caso da obra de reconstrução do edifício destinado a um hotel - pode o
promotor do empreendimento turístico optar pela forma mais exigente do licenciamento
(art.º 23º/2).
Uma das medidas mais emblemáticas é a
isenção da taxa da auditoria de
classificação quando realizada pelo Turismo de Portugal (art.º 36º/3 e
revogação do art.º 37º). Recorde-se, no entanto, que medida semelhante foi
tomada pelo anterior executivo sem alterar o RJET.
A classificação dos empreendimentos
turísticos passa a ser revista de 5 em 5 anos, não a requerimento do
interessado mas oficiosamente, ou seja, por iniciativa do órgão competente, a
autoridade turística nacional ou a câmara municipal consoante as tipologias
(art.º 38º).
As coordenadas geográficas do empreendimento figuram
a partir de agora no RNET (art.º 40º/1) e, apesar de se manter a regra de uma única entidade exploradora
(art.º 44º/ 1), no caso do restaurante do hotel ter uma diferente entidade
exploradora, é esta última que doravante responde pelo cumprimento das
disposições legais e regulamentares (nº 5).
Sem
intuito exaustivo, breves referências por compreensíveis razões de espaço à
formulação menos exigente da publicitação dos preços [art.º 46º/a)], à infeliz
solução do director de hotel (art.º 47º/2) e às várias alterações na
propriedade plural: basta a deliberação da maioria dos proprietários para o
encerramento em determinado período (art.º 49º/2), o Turismo de Portugal já não
aprova o título constitutivo (art.º 54º) e é revogado o limite máximo de 20%
relativamente à prestação periódica destinada a remunerar a entidade
administradora do empreendimento (art.º 56º/5).
Carlos Torres, Turisver nº 813, de 5 de Março de 2014, pág. 8
Carlos Torres, Turisver nº 813, de 5 de Março de 2014, pág. 8