joi, 25 iulie 2013

Requiem pela organização regional do turismo português: um primeiro comentário à Lei n.º 33/2013, de 16 de Maio



1) Introdução

A Lei n.º 33/2013, de 16 de Maio que aprova o novo regime jurídico das áreas regionais de turismo é um exemplo gritante da instabilidade legislativa que vem marcando a actividade económica do turismo no nosso país.

Decorridos apenas quatro anos da publicação do anterior quadro legal – Decreto-Lei n.º 67/2008, de 10 de Abril, agora revogado (art.º 45.º) – e sem que tal estivesse identificado nos programas eleitorais do PSD, do CDS ou no Programa do Governo é derrubado o edifício normativo acabado de construir voltando tudo à estaca zero: novos estatutos, eleições, sensibilização dos municípios para o ingresso, etc.

Num país em que o peso do turismo no PIB à escala europeia só atinge proporções idênticas em Espanha, não paramos de dar tiros no pé desviando a nossa atenção do essencial. Instabilidade legislativa e estagnação ou mesmo a diminuição dos fluxos turísticos têm sido, infelizmente, as notas dominantes da nossa política de turismo nos últimos anos.

Desde as comissões de iniciativas até às entidades regionais de turismo, criadas em 2008, sempre houve períodos de pelo menos dez anos para estabilizar e consolidar as soluções legislativas. Ao invés, os últimos anos têm sido consumidos nestas permanentes alterações do plano regional do turismo que se interpõe entre os planos local e nacional.

Comissões.jpg

É também original o processo legislativo: o Governo elaborou a proposta e enviou-a à Assembleia da República. Apesar de dispor de competência legislativa – as regiões de turismo (1982, 1993 e 2008) foram criadas no actual quadro constitucional por decreto-lei – esta terá sido a forma de os governantes do turismo desviarem o coro de críticas que praticamente em uníssono, se abatiam sobre si.

2) Critérios de natureza estatística e eliminação dos pólos de desenvolvimento turístico

As áreas regionais de turismo não decorrem de qualquer critério de natureza turística, correspondendo simplesmente à área das NUTSII, ou seja, ao nível II da Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (art.º 2.º).

Critérios.jpg




A alteração mais significativa do novo quadro legal é a eliminação dos pólos de desenvolvimento turístico (art.º 37.º) previstos no PENT que deixam de ter qualquer relevância para efeitos da organização regional do turismo português. Ou seja, deixa de existir qualquer critério turístico na base da nova lei a qual tem uma génese de natureza exclusivamente estatística. O PENT pressupõe um modelo territorial substancialmente diferente da nova organização regional do turismo, harmonização que é essencial, o mesmo sucedendo com os planos regionais de ordenamento do território.

Pólos.jpg

Desaparece igualmente a possibilidade de individualizada contratualização que destacadamente figurava no n.º 2 do art.º 2.º da anterior LART relativamente às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto com associação de direito privado. Tal possibilidade é alargada genericamente a qualquer associação de direito privado com o escopo do turismo, dependendo, porém, de prévia consulta ao órgão deliberativo, isto é, a assembleia geral da ERT (n.º 4). Acresce, cumulativamente, um duplo requisito: existência de verbas no Orçamento de Estado, as quais estejam confiadas à autoridade turística nacional (art.º 43.º).

3) Dualismo área regional e entidade regional de turismo. Atribuições

A cada área regional de turismo circunscrita às NUTSII (art.º 2.º) corresponde uma entidade regional de turismo cuja designação e sede será definida no plano estatutário (art.º 3.º) tratando-se de pessoas colectivas públicas, de natureza associativa, dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (art.º 4.º).

No que respeita às atribuições, a enumeração é mais vasta e reforçada em termos de conteúdo comparativamente à lei anterior consagrando os avanços que naquela se haviam registado ao nível estatutário. Porém, inexplicavelmente, não se consagra qualquer intervenção destas entidades no domínio de pareceres relativos a empreendimentos turísticos ou até à respectiva fiscalização. Ou seja, na importante componente do alojamento turístico as entidades regionais de turismo não têm qualquer intervenção mesmo que num plano confinado ao turismo no espaço rural ou noutras tipologias em que não existe intervenção do Turismo de Portugal, IP, faltando, assim, um parecer de carácter vinculativo de entidades públicas vocacionadas para o turismo que avaliem a sua adequação à oferta turística regional. Tudo fica confinado às câmaras municipais quando poderia perfeitamente intervir, à luz do interesse público, o ente colectivo público especializado nesse domínio.

4) A surpreendente e descaracterizadora solução da tutela. Composição tripartida

O art.º 6.º referente à tutela constitui uma inovação porquanto não se confina a uma tutela de legalidade carecendo, assim, de ulterior reflexão e desenvolvimento. Suscita muitas dúvidas a necessidade de autorização do Secretário de Estado do Turismo prevista na alínea c) do n.º 3. Ou a aprovação prévia pelo membro do Governo do plano anual e plurianual de actividades ou do orçamento (n.º 4). Poderá existir um verdadeiro e próprio poder regional com uma desajustada escala macro-regional decorrente de meros critérios estatísticos e com ingerência tão acentuada por parte do poder central? Que independência têm estes órgãos regionais perante o Secretário de Estado do Turismo?

No art.º 7.º assegura-se a tradicional composição tripartida da pessoa colectiva: Estado, municípios que deverão consubstanciar a sua força dominante (ver n.º 4 do art.º 12.º) e o reconhecimento do princípio quase secular de participação das entidades privadas com interesse no desenvolvimento e valorização das áreas territoriais correspondentes que remonta às comissões de iniciativas.

Também sem alteração relativamente ao regime anterior o art.º 8.º consagra um princípio da estabilidade na composição da pessoa colectiva pública determinando que as entidades, maxime os municípios que ingressam nas entidades regionais de turismo, ficam adstritas a um período de permanência mínima de 5 anos.

Os estatutos são aprovados pela assembleia da entidade regional de turismo mediante proposta do seu órgão executivo e homologados pelo membro do Governo, sendo ainda publicados na folha oficial (art.º 9.º).

5) Os órgãos das novas entidades regionais de turismo

Órgãos.jpg

No plano dos órgãos da pessoa colectiva a novidade é a criação do Conselho de Marketing.

Em primeiro lugar, surge o órgão do tipo assembleia ou das entidades regionais de turismo, precisamente denominado assembleia geral no qual estão representados o Estado, os municípios e as entidades privadas (arts. 10.º/1/a) e 11.º).

Depois o órgão de governo, anteriormente designado por Direcção e agora Comissão Executiva.

No Conselho de Marketing dominam os representantes do tecido empresarial regional os quais devem ser reconhecidos pela Confederação do Turismo Português.  No entanto, a  solução pode colidir com o princípio da supremacia municipal nos órgãos das entidades regionais de turismo. E se os representantes tiverem notoriedade e  plena aceitação no plano regional do turismo mas não forem reconhecidos pela CTP?

(Continua)

Carlos Torres, Jornal Planeamento e Cidades Edição nº 29 Julho / Agosto