Resumo: Os problemas técnicos das aeronaves que causem atrasos dos voos superiores a duas, três ou quatro horas, consoante as distâncias, determinam indemnizações pelas companhias aéreas (250€, 400€ ou 600€ por passageiro) de harmonia com o art.º 7º do Regulamento nº 261/2004, como é reconhecido por uma sentença recente do Court of Appeal que, segundo a imprensa britânica, terá um impacto de biliões de libras na aviação.
Em 11 de Junho de 2014, a secção cível do Court of Appeal of England and Wales proferiu uma decisão (nº 791), que na opinião da imprensa britânica terá um grande
impacto nas companhias aéreas - e também nos operadores turísticos - abrindo caminho ao pagamento de
indemnizações de biliões de libras a milhares de passageiros afectados por atrasos.
Em 26 de Outubro de 2011, o voo LS810, de Málaga para Manchester, operado pela companhia aérea
Jet2.com, foi adiado, chegando ao destino com um atraso de 27 horas. Durante o
voo para Málaga o avião registou um inesperado problema técnico, ao acender a
luz de sinalização do combustível do motor esquerdo, indicando um possível defeito na válvula de corte
de combustível. Após a aterragem em Málaga a válvula foi substituída mas o problema
persistiu, não tendo sido possível determinar a causa antes de o aeroporto
encerrar. Teve de deslocar-se um engenheiro e cabos sobresselentes do hangar da
companhia no aeroporto de Leeds Bradford e enviado um avião de Glasgow para recolher os passageiros em Málaga. Durante o período de espera foi
observado o direito de assistência,
disponibilizando-se alojamento, bebidas e refeições.
Invocando o art.º 7º, alínea b), do
Regulamento (CE) nº 261/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de
2004 , Ronald Huzar e sua família, passageiros afectados pelo atraso,
peticionaram uma indemnização de 400€ para cada um deles (voos intracomunitários com
mais de 1500 Km e para todos os outros voos entre 1 500 e 3 500Km).
Sucede que de harmonia com o nº 3 do art.º 5º que
disciplina o cancelamento de voos, a transportadora aérea pode eximir-se
ao pagamento da indemnização prevista no art.º 7º se provar que o cancelamento se deveu “a circunstâncias
extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem
sido tomadas todas medidas razoáveis.”. Para o efeito, a companhia aérea alegou
que o atraso se deveu a um defeito na válvula de corte de combustível que não poderia
ter sido evitado através de manutenção ou de inspecções regulares.
No tribunal de primeira instância (Stockport County Court) foi
aceite a tese da transportadora, ou seja
que a avaria era subsumível ao conceito de circunstâncias
extraordinárias (art.º 5º/3) não se atribuindo a indemnização aos
passageiros, decisão que foi alterada na segunda instância (Manchester
County Court). A transportadora aérea interpôs então recurso para o Court
of Appeal of England and Wales, gerando-se uma grande expectativa sobre o
sentido da decisão como é reconhecido pelos próprios juízes: “The appeal raises a point of some importance to the
airline passenger industry.”.
O Regulamento 261/2004 prevê três situações
distintas: a do art.º 4º relativa
ao overbooking ou recusa de embarque, de seguida o art.º 5º ocupa-se
do cancelamento e, por fim, o artº 6º dos atrasos consideráveis.
No caso da família Huzar a compensação
pecuniária respeita a uma situação de atraso considerável prevista no art.º 6º,
preceito que não faz qualquer remissão - ao invés do
art.º 5º/1/c) - para o art.º 7º no qual figuram as indemnizações de 250€, 400€ e 600€, consoante as distâncias
dos voos. No entanto, como reconhece o
Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no célebre acórdão Sturgeon v. Condor Flugdienst Gmb (processos
apensos C-402/07 e C-432/07), situações
comparáveis devem merecer o mesmo
tratamento, não existindo qualquer
justificação para passageiros que
sofreram incómodos semelhantes terem um
tratamento distinto: “Os artigos 5.°, 6.° e 7.° do Regulamento n.°
261/2004 devem ser interpretados no sentido de que os passageiros de voos
atrasados podem ser equiparados aos passageiros de voos cancelados, para efeitos da aplicação do direito a indemnização, e de que
esses passageiros podem, assim, invocar o direito a indemnização previsto no
artigo 7.° desse regulamento, quando o tempo que perderam por causa de um voo
atrasado seja igual ou superior a três
horas, isto é, quando cheguem ao seu destino final três horas ou mais após a hora de chegada inicialmente
prevista pela transportadora aérea. Todavia, tal atraso não confere aos
passageiros o direito a uma indemnização, se a transportadora aérea puder
provar que o atraso considerável se ficou a dever a circunstâncias
extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido
tomadas todas as medidas razoáveis, mais precisamente circunstâncias que
escapam ao controlo efectivo da transportadora.
Não existindo qualquer definição de circunstâncias
extraordinárias no art.º 2º, os considerandos 14 e 15 do
Regulamento 261/2004 fornecem algum apoio exemplicando com a “instabilidade política, condições meteorológicas incompatíveis com a realização do voo em causa, riscos de segurança, falhas inesperadas para a segurança do voo e greves que afectem o funcionamento da
transportadora aérea”
De seguida o tribunal inglês ocupa-se do caso Wallentin–Hermann v Alitalia–Linee Aeree Italiane SpA (Processo C-597/07). A autora juntamente com
seu marido e filha reservaram um voo de Viena a Brindisi via Roma. O voo foi
cancelado cinco minutos antes da partida, tendo os passageiros sido
transferidos para outro com destino a Roma pertencente a outra operadora. Na
origem do cancelamento um defeito do motor descoberto durante uma verificação de rotina da aeronave. Em consequência do cancelamento o requerente perdeu o voo de
ligação, chegando ao seu
destino final (Brindisi) três horas
e meia após a chegada prevista. Foi pedida um compensação harmonia com o art.º 5º/1/c), mas a companhia aérea invocou o art.º 5º/3, ou seja, as circunstâncias extraordinárias.
No ponto 27 o juiz inglês
refere: “Estou convencido de que, neste
caso, a causa do atraso ou cancelamento foi a necessidade de resolver o
problema técnico que tinha sido identificado.
Do meu ponto de vista, não importa a forma como o problema técnico foi
identificado. Se foi identificado por manutenção de rotina (como no caso Wallentin)
ou como resultado de uma luz de advertência durante o voo (como no presente
caso) parece-me ser irrelevante. Igualmente e por isso mesmo a circunstância de
que era inesperado e imprevisível, também é irrelevante. A realidade é que uma
vez que um problema técnico é identificado, é inerente à atividade normal da
transportadora aérea ter que resolver esse problema técnico. Além disso, a
resolução do problema, como foi demonstrado no presente caso, é inteiramente do
controlo da transportadora aérea.”
Carlos Torres, Publituris de 11
de Julho de 2014