"A perda de habitantes no centro das
cidades pode e deve ser travada pelo estrito cumprimento da legislação urbanística e da propriedade horizontal. Os imóveis com utilização habitacional não podem ser afectos a finalidades de
alojamento turístico (alojamento
local) sem que exista a alteração do uso. Paris constitui um bom exemplo que Lisboa deve seguir,
respeitando-se o uso dos imóveis."
1) O forte impulso das plataformas digitais e o indevido
aproveitamento da sharing
economy
Várias vozes têm-se
insurgido contra o aumento exponencial do fenómeno
da hotelização dos apartamentos das principais
cidades, fortemente potenciado pela intermediação
digital, na qual pontifica a Airbnb. Geram-se com esta utilização
desviante dos imóveis
para habitação várias
externalidades - efeitos sociais,
económicos e ambientais indirectamente
causados pela venda de um produto ou serviço
-, no caso negativas, tendo algumas delas sido apresentadas, de forma veemente,
no recente programa da RTP, Prós e Contras, de 15 de Junho.
Normalmente a defesa desde modelo disruptivo apoia-se na
denominada economia colaborativa, tendo
no programa da RTP uma parte da discussão sido para aí conduzida. No entanto, trata-se de um enquadramento
falacioso, porquanto a esmagadora maioria da cedência de espaços para alojamento é feita, não com o
estruturante espírito de troca que caracteriza a sharing economy
(Antony proprietário nova-iorquino
ocupa gratuitamente, durante algumas semanas, um apartamento em Paris pertencente
ao francês Pierre que, por
seu turno, vai desfrutar do apartamento de Antony), mas com finalidade lucrativa (um proprietário, não
residente, com vários
apartamentos ou mesmo vários edifícios explora-os na vertente do alojamento turístico). Ou seja, os
donos dos imóveis querem obter
um rendimento mais elevado com a locação a turistas - nalguns casos o dobro ou o triplo - do que
obteriam no arrendamento para habitação a uma família.
Na página do município de Amesterdão, o expoente europeu da sharing economy, alerta-se, de forma peremptória, que as casas não são hotéis (huizen zijn niet hotels), permitindo-se o
alojamento a turistas, na residência habitual do seu proprietário,
sem carácter continuado e com o limite de 60 dias por ano. Para o rigoroso cumprimento da lei, fiscalizam-se
intensamente os principais sites, aplicando-se fortes sanções quando a actividade
se desviar de simples hobby para negócio.
2) A hotelização de apartamentos gera impactos desfavoráveis
nos modelos urbanos, no mercado imobiliário e na vida das populações
À semelhança das principais
cidades espanholas como Barcelona e Madrid,
S. Francisco, Nova York, Toronto
e Berlim,
também em
Lisboa se verificam preocupantes efeitos na
população residente motivados pela transformação de residências em alojamento turístico, afectando o estruturante e
tradicional objectivo das políticas públicas de garantir
a ocupação dos centros urbanos por população residente.
A desordenada conversão de apartamentos para habitação na utilização para turistas,
impulsionada pelas novas plataformas P2P, tem grandes implicações nos destinos
turísticos pela maior
densidade e intensidade de uso
dos edifícios e bairros onde se desenvolve. As perturbações nos moradores
são várias, destacando-se as seguintes:
1) Elevados níveis de ruído que perturbam o descanso dos moradores não apenas
no edifício onde se desenvolvem mas também nos prédios vizinhos;
2) Toques de campainha por engano, com particular impacto negativo
os que ocorrem a altas horas da noite;
3) Acréscimo de limpeza decorrente da maior pressão de uso dos espaços comuns;
4) Menor segurança dos moradores pelo acesso ao interior do edifício de
estranhos a quem são entregues
as chaves da porta de entrada ou o código de segurança bem como do acesso ao parque de estacionamento;
5) Problemas de manutenção e desgaste das zonas comuns derivados da maior rotação das estadas
curtas associadas à locação turística (elevadores, danos pela entrada e saída de malas e maior
dispêndio em energia)
6) Perda do carácter familiar e proximidade inerente às relações de vizinhança.
Relativamente aos bairros ou zonas centrais em que se
desenvolve a locação turística ocorre uma perda
de autenticidade, a progressiva destruição dos seus elementos icónicos:
1) Maior movimentação de pessoas, logo maior carga no destino decorrente
desta população flutuante;
2) Tendência de desvalorização dos
elementos de identidade da vida
de bairro causada pela perda dos residentes;
3) Nas zonas de maior presença da população turística alojada em
apartamentos verifica-se o desaparecimento do pequeno comércio local,
designadamente pastelarias, restaurantes e bares e a sua substituição por
supermercados (compra dos produtos alimentares ou refeições pré-confeccionadas consumidas no alojamento) e restaurantes
franchisados.
3) Um modelo em que
os turistas gastam pouco no destino, geram pouco emprego e comprometem o futuro
da actividade pela saturação e descaracterização dos locais
Não se tratando
de uma nova procura ou de um novo perfil de turista, mas apenas da escolha de diferentes tipos de alojamento para cada
viagem, em busca do melhor preço, constata-se na locação
turística uma menor capacidade gerar rendimento e emprego, que afecta
directamente o modelo económico e de bem
estar construído ao longo de décadas de investimento público e privado no
sector do turismo.
Com
efeito, o gasto médio diário é 71,2%
superior para os turistas que optam pelo alojamento clássico. O dinheiro
poupado pelo turista que opta pela locação turística (deriva principalmente do grande
diferencial de custos de regulação) não é compensado com outro tipo de gastos no destino (compras,
alimentação, actividades culturais ou de lazer).
O emprego directo e indirecto gerado pela oferta
tradicional, em especial a hoteleira, é muito superior: por cada 100 unidades de alojamento geram-se
17,9 postos de trabalho directos no próprio estabelecimento, enquanto na locação turística a ratio é de apenas
3,7 (em regra confinado à limpeza
após a saída e ao pequeno almoço apenas em 4% dos casos).
Carlos Torres, Turisver nº 830 (Julho de 2015), pág. 6