"A restauração e bebidas goza de autonomia legislativa desde 1997 até à actualidade, não fazendo qualquer sentido diluir esse regime num extenso e complexo diploma, a aprovar brevemente pelo Governo, abarcando realidades tão diferentes como a pornografia, os piercings ou os funerais."
Nas próximas semanas o Governo aprovará o RJACSR, um diploma legal
compreendendo um vasto conjunto de
matérias, aparentemente sem ligação entre si, no qual não deveria
incluir-se a restauração e bebidas.
Com efeito, desde 1997 que a legislação da restauração e bebidas tem
mantido um corpo de normas próprio, que
se autonomizou dos empreendimentos turísticos, como sucedia na Lei Hoteleira
(Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro) onde figuravam os
estabelecimentos similares dos hoteleiros, os quais “qualquer que seja a sua denominação, os
destinados a proporcionar ao público, mediante remuneração, alimentos ou
bebidas para serem consumidos no próprio estabelecimento” (art.º 13º).
A Lei da Restauração e Bebidas de 1997 (Decreto-Lei nº 168/97, de 4 de Julho)
corresponde, assim, à autonomização de um corpo de normas que saem da
disciplina comum do turismo, autonomia que se manteve dez anos mais tarde quando
foi publicada uma nova lei do sector, o Decreto-Lei nº 234/2007, de 19 de
Junho.
Esse modelo conservou-se, no essencial, em 2011
quando se transpôs a Directiva Bolkestein mais pormenorizadamente para o sector
da restauração e bebidas, apesar de o Decreto-Lei nº 48/2011, de 1 de Abril
disciplinar outras matérias como o regime da ocupação do espaço público,
mensagens publicitárias de natureza comercial, venda de bilhetes para
espectáculos públicos, leilões, horário de funcionamento e cadastro comercial.
Na legislação de 2011 consagra-se que a instalação
de um estabelecimento de restauração ou de bebidas está sujeita a uma mera comunicação prévia (art.º 4º/1),
permitindo que após a sua realização num balcão electrónico o interessado
proceda imediatamente à abertura. Recorrendo-se à figura da dispensa de requisitos (art.º 5º) – o restaurante não
permite instalações sanitárias com separação por sexos - ou nos serviços
com carácter não sedentário (art.º 6º) – roulottes em espaços públicos -
terá lugar a comunicação prévia com prazo,
havendo então que aguardar decisão da autoridade administrativa ou pelo decurso
do prazo de 20 dias. O balcão do
empreendedor (art.º 3º), no qual são efectuadas as comunicações, assume um
papel central neste ambiente digital misto do programa Simplex e Directiva dos
Serviços.
No entanto, em 2011, salvaguardou-se a autonomia legislativa do sector da
restauração e bebidas, remetendo-se a definição dos requisitos das
instalações, funcionamento e regime de classificação para um diploma autónomo
(art.º 40º). Ou seja, fora os aspectos de acesso ao mercado, o essencial da
disciplina da restauração e bebidas figura na Portaria nº 215/2011, de 31 de
Maio, mantendo-se, assim, pela terceira vez – 1997, 2007 e 2011 - a autonomia legislativa do sector.
Com o RJACSR a
restauração e bebidas é diluída nas seguintes actividades:
- Estabelecimentos de comércio e de
armazéns;
- Estabelecimentos de comércio e de
armazéns de alimentos para animais identificados na lista IV do anexo I;
- Comércio de produtos de conteúdo
pornográfico;
- Exploração de mercados abastecedores;
- Exploração de mercados municipais;
- Comércio não sedentário;
- Exploração de grandes superfícies
comerciais e de conjuntos comerciais;
- Exploração de oficinas de manutenção e
reparação de veículos automóveis, motociclos e ciclomotores;
- Exploração de lavandarias;
- Exploração de centros de bronzeamento
artificial;
- Exploração de estabelecimentos de
colocação de piercings e tatuagens;
- Atividade funerária.
O acesso ao mercado continuará no RJACSR a processar-se através do expedito mecanismo da mera comunicação prévia,
pegando-se nas normas da restauração e bebidas diluindo-as, sem as alterar, num
vasto conjunto de matérias sem conexão entre si (artigos 122º a 139º).
Em qualquer Estado de Direito a estabilidade legislativa é um princípio
a respeitar, sobretudo quando estamos perante um corpo de normas consensual
aprovadas há precisamente 3 anos. A
introdução das normas da restauração e bebidas no projectado RJACSR viola tal
princípio e constitui uma manifesta falta de respeito para com o sector que vê
a sua disciplina diluída num diploma que compreende actividades sem qualquer ligação
entre si, eliminando-se a autonomia legislativa reconhecida ao sector desde
1997.
A
subida vertiginosa do preço dos hotéis para a final da Champions
De harmonia com várias notícias, designadamente do
Expresso, a disponibilidade de hotéis em Lisboa para a noite de 24 de Maio é
muito baixa, encontrando-se os poucos hotéis ainda disponíveis a praticar
preços muito superiores ao habitual - de 900 € (referindo-se uma residencial)
até 7000 € por noite - quando em Abril eram de apenas 109€ segundo responsáveis
da Trivago.
Desde a Portaria nº 1219/93, de 19 de Novembro, que os serviços prestados nos estabelecimentos hoteleiros se
encontram sujeitos ao regime de preços
livres, ou seja, são livremente fixados pelas entidades exploradoras, em
regra entre um valor mínimo e um valor máximo de molde a ajustarem-se à
acentuada variabilidade diária.
Um dos deveres dos fornecedores de produtos
e serviços turísticos é de apresentar preços e tarifas ao público de forma
visível, clara e objectiva (artº 20º, al. b) da Lei de Bases do Turismo). No RJET, o
primeiro dever da entidade exploradora
respeita à publicitação dos “preços de tabela dos serviços de alojamento
oferecidos, mantê-los sempre à disposição dos utentes e, relativamente aos
demais serviços, disponibilizar aos utentes os respetivos preços” [art.º 46º
al. a)]
Sucede que a forte subida de preços por ocasião de um
evento desportivo pode constituir um crime
de especulação de preços previsto no artigo
35.º do Decreto-lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro. Pela alínea b), ao alterar-se, com intenção de
obter lucro ilegítimo, os preços decorrentes do regular exercício da actividade. Ou pela alínea c), prestando
serviços por preços superiores ao que conste de listas elaboradas pela entidade prestadora do serviço.
O bem jurídico tutelado é a estabilidade dos preços, incriminando-se condutas lesivas de interesses próprios do sector económico
e do regular funcionamento da economia.
Daí que surjam com maior relevo os interesses
da economia turística e os danos para
o destino turístico associados a este tipo de práticas e só colateralmente
a protecção dos consumidores.
Carlos Torres, Turisver nº 816 (20 de Maio de 2014), pág.
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