"A nova disciplina do alojamento local deve obedecer a uma regra de subsidiariedade, só sendo admitidos novos estabelecimentos nos espaços turísticos onde seja insuficiente a oferta de empreendimentos turísticos, excepcionando-se projectos reconhecidamente inovadores de harmonia com parecer favorável da respectiva autarquia precedido de audição da população interessada."
A recente escolha
de elevar a disciplina do alojamento local de portaria (opção originária do RJET) para decreto-lei (alterações ao RJET introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23
de Janeiro) pareceu-me desajustada pelos perigos que comportava. Em vez de o
alojamento local continuar subordinado ao
RJET pela via regulamentar - pormenorizando-o, desenvolvendo-o mas não
conflituando com ele - criou-se um estatuto
de igualdade, em que todo o tipo de soluções é possível.
A recente proposta de um anteprojecto de um Regime Jurídico do Alojamento Local (RJAL) – de conhecimento
restrito ao plano associativo, escapando à reflexão de um alargado número de destinatários,
designadamente empresas e ensino
superior do turismo - excedeu as piores expectativas, somando-se ao primitivo
erro da regulamentação por decreto-lei outro maior, mercê da facilidade de
criação de estabelecimentos de alojamento local e do maior âmbito de aplicação.
O preâmbulo do texto proposto pela SET é elucidativo dos propósitos da nova
disciplina, referindo-se “novas realidades surgem agora não como um fenómeno residual mas como um
fenómeno consistente e global, passa não só pela revisão do enquadramento que
lhe é aplicável mas, igualmente, e isso sim, pela criação de um regime jurídico
próprio, que dê conta, precisamente, dessa circunstância” elevando-se “a figura do alojamento local de categoria residual para categoria
autónoma, reconhecendo a sua relevância turística e a sua plena inserção na
noção de alojamento turístico” passando “as figuras dos empreendimentos turísticos e
do alojamento local ... a ser duas figuras devidamente autónomas e recortadas”.
Uma das contradições entre as
duas disciplinas decorre, desde logo, desta última parte do preâmbulo ao
afirmar-se que o alojamento local “deixa de ver sobre si a proibição de utilização do termo turístico”, bastando atentar no nº 7 do art.º 3º do RJET em que o alojamento local não
pode “em caso algum, utilizar a
qualificação turismo e ou turístico, nem qualquer sistema de classificação”.
Do meu ponto de vista, a disciplina do alojamento local deverá ter um cunho restritivo e não de forte impulsionador,
como sucede com a proposta em análise, não se desvirtuando, assim, a razão pela qual foi criado, em 2008, pelo
RJET: trazer para a legalidade o
alojamento paralelo, clandestino ou não classificado há muito existente no
terreno, o qual nalgumas regiões ultrapassa largamente o número de camas
classificadas, como sucede no Algarve. Doutro modo, viola-se o princípio da confiança, pois durante
anos a fio, estimulados por declarações de altos responsáveis políticos de
todos os quadrantes, os empresários fizeram avultados investimentos hoteleiros
(aos quais acrescem apoios públicos
de diferente natureza bem como os benefícios decorrentes da utilidade turística) que são
progressivamente afectados pela degradação
dos preços e baixas taxas de ocupação
que têm como uma das concausas
uma oferta pouco qualificada, descontrolada e excessiva.
Nesta
linha necessariamente restritiva, bem andou o legislador ao consagrar a proibição da opção facilitista pelo
alojamento local, decorrente do pouco exigente e simplificado processo de
mero registo, quando o imóvel reúna as
condições para ser considerado empreendimento turístico em qualquer das
suas tipologias (art.º 2º/3), impedindo, assim, “a existência de empreendimentos turísticos trasvestidos
de estabelecimentos de alojamento local” (preâmbulo).
Há, no entanto, que assegurar que esta acertada opção do
legislador não passa de letra morta.
A garantia da sua efectividade passará por uma declaração da autoridade
turística nacional, eventualmente precedida de vistoria ao local, quando tal se
impuser pela insuficiência dos elementos documentais, podendo intervir neste
domínio empresas certificadas à semelhança do que ocorre no RJET nas auditorias
de classificação.
Impõe-se, por outro lado, travar
fortemente a criação mais alojamento de baixa qualificação nos centros urbanos
e zonas balneares onde exista suficiente
oferta de empreendimentos turísticos. Numa zona rural do interior, onde não
existam condições para o investimento em empreendimentos turísticos, entende-se
o estímulo ao alojamento local, mas
dificilmente se pode aceitar que esta figura continue a surgir vigorosamente
nos centros urbanos ou balneares dotados de suficientes (ou até excedentários)
estabelecimentos hoteleiros, contribuindo para a preocupante degradação dos
preços.
Há também que atentar no carácter negativo da utilização desviante de apartamentos na denominada locação turística a qual não se confina
aos hotéis (concorrência desleal pois não suportam os custos de mão de obra nem
impostos), estando igualmente associadas à ausência
de população residente nos centros das cidades, porquanto os proprietários
preferem disponibilizar o imóvel a turistas ao arrendamento clássico. Como os
proprietários obtêm maiores rendimentos com a locação turística, sobem
inevitavelmente os preços do imobiliário, dificultando a fixação de populações
locais. A locação turística deve ser expressamente proibida ou, no mínimo,
dificultada, criando-se por exemplo uma taxa significativa adstrita a fins
promocionais do destino (a partir de 5€ diários por ocupante) quando exista na
localidade um suficiente índice de oferta hoteleira. O arrendamento
de quartos a estudantes, nada tem a ver com o alojamento local, e do ponto
de vista urbanístico é muito benéfico para as cidades.
O texto proposto pela SET desrespeita as regras da propriedade horizontal e
constitui uma armadilha para os
condóminos, colocando-os perante um facto consumado em vez de terem um papel activo de autorização para a
instalação de um estabelecimento de alojamento local. Basta pensarmos nas
questões de segurança, tranquilidade e no maior desgaste das partes comuns
designadamente entrada e elevadores causados pelas malas. Impõe-se, assim, que em vez da declaração do responsável
[art.º 7º/1/e)] exista uma autorização do
condomínio sempre que no título constitutivo não figure para a fracção em
causa uma finalidade de carácter
comercial (alojamento) mas meramente habitacional.
A nova disciplina não deve legitimar alterações do uso.
(Continua)
Carlos Torres, Publituris de 18 de Abril de 2014, pág. 4