miercuri, 23 aprilie 2014

Alojamento local: uma descontrolada aceleração quando se impõe uma prudente travagem



"A nova disciplina do alojamento local deve obedecer a uma regra de subsidiariedade, só sendo admitidos novos estabelecimentos nos espaços turísticos onde seja insuficiente a oferta de empreendimentos turísticos, excepcionando-se projectos reconhecidamente inovadores de harmonia com  parecer favorável da respectiva autarquia precedido de audição da população interessada."





A recente escolha de elevar a disciplina do alojamento local de portaria (opção originária do RJET) para decreto-lei (alterações ao RJET introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de Janeiro) pareceu-me desajustada pelos perigos que comportava. Em vez de o alojamento local continuar subordinado ao RJET pela via regulamentar - pormenorizando-o, desenvolvendo-o mas não conflituando com ele - criou-se um estatuto de igualdade, em que todo o tipo de soluções é possível.

A recente proposta de um anteprojecto de um Regime Jurídico do Alojamento Local (RJAL) – de conhecimento restrito ao plano associativo, escapando à reflexão de um alargado número de destinatários,  designadamente empresas e ensino superior do turismo - excedeu as piores expectativas, somando-se ao primitivo erro da regulamentação por decreto-lei outro maior, mercê da facilidade de criação de estabelecimentos de alojamento local e do maior âmbito de aplicação.

O preâmbulo do texto proposto pela SET é elucidativo dos propósitos da nova disciplina, referindo-se “novas realidades surgem agora não como um fenómeno residual mas como um fenómeno consistente e global, passa não só pela revisão do enquadramento que lhe é aplicável mas, igualmente, e isso sim, pela criação de um regime jurídico próprio, que dê conta, precisamente, dessa circunstância” elevando-se “a figura do alojamento local de categoria residual para categoria autónoma, reconhecendo a sua relevância turística e a sua plena inserção na noção de alojamento turístico” passando “as figuras dos empreendimentos turísticos e do alojamento local ... a ser duas figuras devidamente autónomas e recortadas”.

Uma das contradições entre as duas disciplinas decorre, desde logo, desta última parte do preâmbulo ao afirmar-se que o alojamento local “deixa de ver sobre si a proibição de utilização do termo turístico”, bastando atentar no nº 7 do art.º 3º do RJET em que o alojamento local não pode “em caso algum, utilizar a qualificação turismo e ou turístico, nem qualquer sistema de classificação”.

Do meu ponto de vista, a disciplina do alojamento local deverá ter um cunho restritivo e não de forte impulsionador, como sucede com a proposta em análise, não se desvirtuando, assim,  a razão pela qual foi criado, em 2008, pelo RJET:  trazer para a legalidade o alojamento paralelo, clandestino ou não classificado há muito existente no terreno, o qual nalgumas regiões ultrapassa largamente o número de camas classificadas, como sucede no Algarve. Doutro modo, viola-se o princípio da confiança, pois durante anos a fio, estimulados por declarações de altos responsáveis políticos de todos os quadrantes, os empresários fizeram avultados investimentos hoteleiros (aos quais acrescem apoios públicos de diferente natureza bem como os benefícios decorrentes da utilidade turística) que são progressivamente afectados pela degradação dos preços e baixas taxas de ocupação que têm como uma das concausas uma oferta pouco qualificada, descontrolada e excessiva. 

Nesta linha necessariamente restritiva, bem andou o legislador ao consagrar a proibição da opção facilitista pelo alojamento local, decorrente do pouco exigente e simplificado processo de mero registo, quando o imóvel reúna as condições para ser considerado empreendimento turístico em qualquer das suas tipologias (art.º 2º/3), impedindo, assim, “a existência de empreendimentos turísticos trasvestidos de estabelecimentos de alojamento local” (preâmbulo).

Há, no entanto, que assegurar que esta acertada opção do legislador não passa de letra morta. A garantia da sua efectividade passará por uma declaração da autoridade turística nacional, eventualmente precedida de vistoria ao local, quando tal se impuser pela insuficiência dos elementos documentais, podendo intervir neste domínio empresas certificadas à semelhança do que ocorre no RJET nas auditorias de classificação.

Impõe-se, por outro lado,  travar fortemente a criação mais alojamento de baixa qualificação nos centros urbanos e zonas balneares onde exista suficiente oferta de empreendimentos turísticos. Numa zona rural do interior, onde não existam condições para o investimento em empreendimentos turísticos, entende-se o estímulo  ao alojamento local, mas dificilmente se pode aceitar que esta figura continue a surgir vigorosamente nos centros urbanos ou balneares dotados de suficientes (ou até excedentários) estabelecimentos hoteleiros, contribuindo para a preocupante degradação dos preços.

Há também que atentar no carácter negativo da utilização desviante de apartamentos na denominada locação turística a qual não se confina aos hotéis (concorrência desleal pois não suportam os custos de mão de obra nem impostos), estando igualmente associadas à ausência de população residente nos centros das cidades, porquanto os proprietários preferem disponibilizar o imóvel a turistas ao arrendamento clássico. Como os proprietários obtêm maiores rendimentos com a locação turística, sobem inevitavelmente os preços do imobiliário, dificultando a fixação de populações locais. A locação turística deve ser expressamente proibida ou, no mínimo, dificultada, criando-se por exemplo uma taxa significativa adstrita a fins promocionais do destino (a partir de 5€ diários por ocupante) quando exista na localidade um suficiente índice de oferta hoteleira.  O arrendamento de quartos a estudantes, nada tem a ver com o alojamento local, e do ponto de vista urbanístico é muito benéfico para as cidades.

O texto proposto pela SET desrespeita as regras da propriedade horizontal e constitui uma armadilha para os condóminos, colocando-os perante um facto consumado em vez de terem um papel activo de autorização para a instalação de um estabelecimento de alojamento local. Basta pensarmos nas questões de segurança, tranquilidade e no maior desgaste das partes comuns designadamente entrada e elevadores causados pelas malas.  Impõe-se, assim,  que em vez da declaração do responsável [art.º 7º/1/e)] exista uma autorização do condomínio sempre que no título constitutivo não figure para a fracção em causa uma finalidade de carácter comercial (alojamento) mas meramente habitacional. A nova disciplina não deve legitimar alterações do uso.

(Continua)

Carlos Torres, Publituris  de 18 de Abril de 2014, pág. 4