sâmbătă, 25 ianuarie 2014

O “preço justo” fixado por uma associação empresarial e a lei da concorrência






“Quando uma organização profissional fornece indicações sobre os preços a praticar  pelas  empresas viola as normas europeias da concorrência. Em 6 de Junho de 2013, a cour d’appel de Paris, na sequência de recurso interposto pela associação empresarial Géfil e pela Deloitte, manteve a decisão da autoridade da concorrência francesa que as havia condenado na sanção de 15 000€ e 510 000€ respectivamente”



Em Janeiro de 2012, a autoridade da concorrência francesa sancionou o Géfil (Syndicat National de l'Ingénierie Loisirs - Culture - Tourisme) e dez consultoras suas associadas - Arc essor (8 500€), Assaï (800€), Deloitte conseil (510 000 euros), Hôtels Action (24 700€), Maîtres du rêve (28 400€), Médiéval (12 000€), Mérimée (2 600€), Philippe Caparros (8 000€), Promotour (800€) e Somival (49 900€) -  no montante de 660 700€ por práticas anticoncorrenciais de fixação de preços.
Tal como entre nós, em França o sector de consultoria de turismo e lazer não é regulamentado, mas o Géfil, criado em 1990, sob a forma de associação, implementou no final de 20o2 uma qualificação própria que atesta a existência de competências próprias naquele domínio. Integram-no 70 a 80 membros, elabora um anuário e faz parte do importante Conseil national du tourisme. O anuário, para além do editorial, código de ética e de uma página dedicada a cada consultora, designadamente o seu volume de negócios, inclui uma ficha intitulada "O Preço Justo" que está no centro da decisão da autoridade da concorrência francesa.
Baseada nos cálculos de uma empresa de consultoria fictícia, a ficha "O Preço Justo" é composta por quatro pessoas, nela figurando a estrutura anual de custos da empresa (rendas, seguros, impostos, salários, comunicações etc.) e os preços diários das três categorias de consultores "estabelecidos de forma coerente com base na sua experiência, das suas responsabilidades e do número de dias facturados". As tarifas do «preço justo»  são apresentadas como “preço recomendado”, “preços razoáveis” ou “honorários decentes”, por forma a manter a qualidade e viabilidade das empresas do sector.
  
O Géfil enviou cartas a consultoras não aderentes que haviam vencido  propostas, chamando-as à  atenção para o facto dos seus preços serem anormalmente baixos, contribuindo para a tendência de queda do mercado. Exemplificativamente, numa delas refere: "Os nossos membros apresentaram propostas em média duas a três vezes superiores (...). O vosso orçamento com as tabelas normais de consultoria, cobre 6 a 8 dias de trabalho, o que é insuficiente para executar correctamente esta missão.".

Para além do controlo externo, ocorria também o controlo interno como decorre da audição o secretário-geral do Géfil: “Se nós sabemos que eles cobram preços ridículos não podem permanecer porquanto puxam para baixo a profissão”, existindo também um procedimento em que era ouvido o queixoso e o visado. Um dos membros sublinhou que “a sua adesão ao Géfil permitiu-lhe aumentar os preços. Se deixar de promover o preço justo o organismo não terá qualquer interesse.”.

Um dos argumentos utilizados pelo Géfil  apontava para uma resposta defensiva a alegadas anomalias do mercado. Não existe, porém, legítima defesa em matéria de concorrência: “quando as empresas se considerem prejudicadas por acções anticoncorrenciais elas não têm o direito de responder através de práticas restritivas,  devendo antes utilizar os meios legais colocados à sua disposição. Para além do agravamento das perturbações em matéria de concorrência, a legitimação do recurso à legítima defesa concorrencial equivaleria ao reconhecimento do direito de as empresas julgarem o carácter anticoncorrencial dos actos dos seus concorrentes e de uma certa forma de justiça privada.”.

Dispensa-se também uma prova cabal obtida através do conteúdo das actas ou da intenção das empresas, sendo suficiente a prova da sua  participação em várias reuniões com um objecto anticoncorrencial – no processo em análise entre uma e sete presenças - para estabelecer a adesão das empresas à entente  revelada pelas reuniões. Esta prova, pode ser afastada por um distanciamento público das empresas, invocando-se nesta linha uma decisão da cour d appel de 25/2/2009  referindo que “uma empresa deve abster-se de participar nesses contactos, directos ou indirectos, com os seus concorrentes com o objectivo de alterar as políticas comerciais, designadamente os preços dos bens ou serviços. Quando convidada deve recusar-se a participar ou se de boa fé tiver sido induzida erroneamente  na participação distanciar-se de imediato e publicamente do mecanismo anticoncorrencial de que a reunião é um suporte.”.

Na mesma  linha, o tribunal europeu (Caso C-291/98P): « a participação duma empresa em reuniões com um objecto anticoncorrencial tem objectivamente por efeito criar ou reforçar  um acordo e a circunstância de não implementar as deliberações que lá foram tomadas não exclui a responsabilidade decorrente da sua presença».

Foi também invocado que tais actos não teriam tido provocado qualquer efeito sobre os preços praticados pelas consultoras, ou seja, que tivesse sido efectivamente observado e aplicado o “preço justo”. No entanto, uma vez demonstrado pela autoridade da concorrência que as práticas prosseguem um objecto anticoncorrencial já não tem de fazer prova relativamente aos seus efeitos.


Carlos Torres, Turisver de 20 de Janeiro de 2014, pág. 6.















Uma plataforma desagregadora




Os consensos indispensáveis a uma política de promoção estável e eficaz  só podem ser alcançados num órgão consultivo de base alargada – um conselho nacional de promoção turística - onde sejam atempadamente apresentadas as campanhas nacionais, discutidas as principais acções promocionais e corrigidos os erros entretanto verificados.”



Muito ainda se vai falar certamente sobre a concreta configuração da anunciada Agência de Promoção Turística que poderia ter interesse se consistisse num mero instrumento de execução da política de turismo na vertente da promoção externa, designadamente uma forma de captação de fundos comunitários. No entanto, pelo que se conhece, trata-se de uma radical e inédita subversão das atribuições do Turismo de Portugal e de mais um ataque ao indispensável e estruturante plano regional do turismo, aniquilando-se agora as agências regionais de promoção turística as quais são integradas e dirigidas por um elevado número de empresas turísticas (a insuficiente presença do destino Portugal e das suas contraditórias campanhas nos principais mercados emissores, tem sido de alguma forma contrabalançada pela actuação das ARPTs e pools privadas). De igual modo, SET e TP, passam de actores principais a meros figurantes num filme a expensas dos contribuintes e matizado num redutor guião.

 As reacções conhecidas dos presidentes das entidades regionais de turismo assentam fundamentalmente num powerpoint apresentado por Vítor Costa, em Dezembro último, no congresso da APAVT. Logo aquando da sua apresentação e não obstante contar com dois factores altamente favoráveis - o beneplácito da associação anfitriã e o presumido apoio político do SET - as primeiras reacções negativas da plateia e do próprio administrador do TP conduzem ao apelo do presidente da CTP para que não se matasse a ideia.

Face ao crescente coro de críticas e em reacção às incisivas declarações de Pedro Machado, no Fórum Turismo (manhã de 14 de Janeiro), ao final da tarde o  Secretário de Estado do Turismo, na apresentação do estudo Pwc/LIDE, demarca-se publicamente:  “tudo o que houver e há para ser dito sobre essa agência é e será dito pelo Governo no momento próprio e depois de um procedimento aberto e de contacto com o sector”. De harmonia com o governante até ao início da discussão com os vários intervenientes do sector, “tudo o que puder ser lido, ouvido ou escrito por essa agência não passa de imaginação, desejo ou medo. Nunca falei por meias palavras e nunca passei a outros a tarefa de dizer aquilo que penso ou aquilo que vou fazer. Quando houver algo a dizer, descansem que aparecerei a dizê- lo.” (Publituris on-line, 14 de Janeiro de 2014).
Em minha opinião deveria ter reagido mais cedo, não deixando as coisas arrastarem-se ao ponto de desautorizar publicamente os mentores da iniciativa. Como se não bastasse, o SET - assumido liberal - entende que há muitas associações afirmando que o turismo nacional conta com “uma multiplicidade de associações, divididas por região, cada região tem várias associações” [o que dificulta] “a voz única que o sector deve ter no funcionamento com o Estado”. Mais, tem-se “focado nesse problema, no sentido de valorizar a Confederação do Turismo Português como a voz que representa o sector e é para isso que estamos a trabalhar na questão da Agência Nacional de Promoção e é também um ponto importante para dotar o sector de uma voz única e que depois permita uma estabilidade de políticas e maior independência face aos ciclos políticos que é algo em que eu estou verdadeiramente empenhado.” (idem, Publituris).
Tenho para mim que as democracias, mesmo as mais incipientes, são avessas à voz única. Para além do importante princípio constitucional da liberdade de associação, as modernas tendências de governança bottom up procuram uma participação alargada dos cidadãos e empresas sendo que no turismo essa postura inclusiva é fundamental como decorre de vários estudos, designadamente da OMT. A CTP é importante, um interlocutor privilegiado, quanto mais forte melhor, mas não esgota decididamente o universo dos interesses do turismo em Portugal, há que ouvir e abrir a possibilidade de participação a muitos outros.
Os consensos indispensáveis a uma boa política de promoção só podem ser alcançados num órgão consultivo de base alargada – um conselho nacional de promoção turística - onde sejam atempadamente apresentadas as campanhas nacionais, discutidas as principais acções promocionais e corrigidos os erros entretanto verificados. À semelhança de Espanha, França ou outros grandes destinos turísticos que não produzem contraproducentes campanhas como vem sendo frequente entre nós (go deeper, west coast, a muito disponível Ana). Os homens do marketing são importantes mas interessa também ouvir os hotéis, DMCs, PCOs e tantos outros que dia a dia estão no terreno, para se aferir da adequação das suas propostas.
Não se pode confundir a secular participação dos privados na administração do turismo, que remonta às comissões de iniciativas (1921), com a dominação asfixiante de um núcleo poderoso sob a égide de um grupo económico associada ao esvaziamento das competências do Turismo de Portugal.  Nem a poderosa banca foi tão longe: mutatis mutandis é como se as mais importantes competências do Banco de Portugal passassem para a Associação Portuguesa de Bancos. Afinal em Portugal, tal como na Europa, o sector do turismo é maioritariamente constituído por PMEs e a política de promoção não pode prescindir do plano nacional, regional e local. 

Qual o destino dos profissionais afectos à promoção no TP, onde está a coordenação e avaliação objectiva segundo os critérios da OMT de toda a promoção externa, o que se passa com as delegações do TP no estrangeiro (localização, meios disponíveis e relações com a AICEP), como premiar os nossos embaixadores que se entregam à causa do turismo e inflectir a conduta dos que persistem na indiferença às solicitações do trade, são questões importantes que escapam à discussão pública em detrimento destas estratégias de conquista do poder.


Carlos Torres, Publituris de 24 de Janeiro de 2014, pág. 4.