“Quando uma organização
profissional fornece indicações sobre os preços a praticar pelas
empresas viola as normas europeias da concorrência. Em 6 de Junho de
2013, a cour d’appel de Paris, na sequência de
recurso interposto pela associação empresarial Géfil e pela Deloitte, manteve a
decisão da autoridade da concorrência francesa que as havia condenado na sanção
de 15 000€ e 510 000€ respectivamente”
Em Janeiro de 2012, a autoridade da concorrência francesa sancionou o Géfil
(Syndicat National de l'Ingénierie Loisirs - Culture - Tourisme) e dez consultoras suas
associadas - Arc essor (8 500€), Assaï (800€),
Deloitte conseil (510 000 euros), Hôtels Action (24 700€), Maîtres du rêve (28
400€), Médiéval (12 000€), Mérimée (2 600€), Philippe Caparros (8 000€),
Promotour (800€) e Somival (49 900€) - no montante de 660 700€ por práticas
anticoncorrenciais de fixação de preços.
Tal como entre nós, em França o sector de consultoria de turismo e lazer não
é regulamentado, mas o Géfil, criado em 1990, sob a forma de associação,
implementou no final de 20o2 uma qualificação própria que atesta a existência de competências próprias naquele domínio. Integram-no 70 a 80 membros, elabora um anuário e faz parte do importante Conseil national
du tourisme. O anuário, para além do editorial,
código de ética e de uma página dedicada a cada consultora, designadamente o
seu volume de negócios, inclui uma ficha intitulada "O Preço Justo"
que está no centro da decisão da autoridade da concorrência francesa.
Baseada nos cálculos
de uma empresa de consultoria fictícia, a ficha "O Preço Justo" é composta por quatro pessoas, nela figurando a estrutura anual
de custos da empresa (rendas, seguros, impostos, salários, comunicações etc.) e
os preços diários das três categorias de
consultores
"estabelecidos de forma coerente com base na sua experiência, das suas
responsabilidades e do número de dias facturados". As tarifas do «preço justo» são apresentadas como “preço
recomendado”, “preços razoáveis” ou “honorários decentes”, por forma a manter a
qualidade e viabilidade das empresas do sector.
O Géfil enviou cartas a
consultoras não aderentes que haviam vencido
propostas, chamando-as à atenção
para o facto dos seus preços serem anormalmente baixos, contribuindo para a
tendência de queda do mercado. Exemplificativamente, numa delas refere:
"Os nossos membros apresentaram propostas em média duas a três vezes
superiores (...). O vosso orçamento com as tabelas normais de consultoria,
cobre 6 a 8 dias de trabalho, o que é insuficiente para executar correctamente
esta missão.".
Para além do controlo externo,
ocorria também o controlo interno como decorre da audição o secretário-geral do
Géfil: “Se nós sabemos que eles cobram preços ridículos não podem permanecer
porquanto puxam para baixo a profissão”, existindo também um procedimento
em que era ouvido o queixoso e o visado. Um dos membros sublinhou que “a sua
adesão ao Géfil permitiu-lhe aumentar os preços. Se deixar de promover o preço
justo o organismo não terá qualquer interesse.”.
Um dos argumentos utilizados pelo Géfil apontava para uma resposta defensiva a
alegadas anomalias do mercado. Não existe, porém, legítima defesa em matéria de concorrência: “quando as empresas se considerem prejudicadas por acções
anticoncorrenciais elas não têm o direito de responder através de práticas
restritivas, devendo antes utilizar os
meios legais colocados à sua disposição. Para além do agravamento das
perturbações em matéria de concorrência, a legitimação do recurso à legítima
defesa concorrencial equivaleria ao reconhecimento do direito de as empresas
julgarem o carácter anticoncorrencial dos actos dos seus concorrentes e de uma
certa forma de justiça privada.”.
Dispensa-se também uma
prova cabal obtida através do conteúdo das actas ou da intenção das empresas,
sendo suficiente a prova da sua participação
em várias reuniões com um objecto anticoncorrencial – no processo em análise entre
uma e sete presenças - para estabelecer a adesão das empresas à entente
revelada pelas reuniões. Esta prova, pode ser afastada por um distanciamento público das empresas, invocando-se
nesta linha uma decisão da cour d’ appel de 25/2/2009
referindo que “uma empresa deve
abster-se de participar nesses contactos, directos ou indirectos, com os seus
concorrentes com o objectivo de alterar as políticas comerciais, designadamente
os preços dos bens ou serviços. Quando convidada deve recusar-se a participar
ou se de boa fé tiver sido induzida erroneamente na participação distanciar-se de imediato e
publicamente do mecanismo anticoncorrencial de que a reunião é um suporte.”.
Na mesma linha, o tribunal europeu (Caso C-291/98P): « a participação duma empresa em
reuniões com um objecto anticoncorrencial tem objectivamente por efeito criar
ou reforçar um acordo e a circunstância
de não implementar as deliberações que lá foram tomadas não exclui a
responsabilidade decorrente da sua presença».
Foi também invocado
que tais
actos não teriam tido provocado qualquer efeito
sobre os preços praticados pelas consultoras, ou seja, que tivesse sido
efectivamente observado e aplicado o “preço justo”. No entanto, uma vez
demonstrado pela autoridade da concorrência que as práticas prosseguem um objecto anticoncorrencial já não tem de
fazer prova relativamente aos seus efeitos.
Carlos Torres, Turisver de 20 de Janeiro de 2014, pág.
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